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Empreendedores sociais mostram ideias e se candidatam a receber Selo Yunus

Numa sociedade tão desigual, onde 85 bilionários têm fortuna equivalente à soma de capital de 3,5 bilhões de pessoas*, é razoável imaginar que há sempre quem se esforce para tentar desfazer tamanho fosso de desigualdade. O jovem universitário filho de médicos, classe privilegiada num grande centro como São Paulo, se incomoda com as filas de atendimento no Sistema Único de Saúde e bola uma ideia. Outro jovem, que estudou no Japão, amealhou conhecimentos na área social, se põe à disposição para fazer a ponte entre tecnologias sociais e quem precisa delas. Há ainda o designer famoso que se especializou em elevar a autoestima de pequenos e pobres artesãos, adornando seus trabalhos com roupagem de objetos sofisticados para vender em outros mercados.
Esses são apenas alguns exemplos, e estão entre os sete projetos que se apresentaram sábado pela manhã a uma banca de especialistas em São Paulo, a convite da Yunus Negócios Sociais, que chegou ao Brasil por iniciativa de Rogerio Oliveira. Eu também estava lá, a convite de Rogerio, a quem entrevistei em junho (veja aqui). Naquela época, a Yunus Brasil era um embrião. Como fiquei interessada em conhecer o caminho que ela percorreria, fui a São Paulo e trago as notícias.
Durante três meses, os representantes dos sete projetos selecionados entre os mais de cem que se inscreveram para integrar a rede de empreendedores internacionais estiveram numa espécie de incubação. Ouviram palestras, trocaram informações, tudo para se tornarem aptos não só a conseguir capital para começar seu negócio como a receber o selo Empreendedor Yunus. A marca registrada desse negócio é que o idealizador precisa fazer alguma coisa pensando em resolver um problema social, sem acumular capital. Não há dividendos nas empresas criadas pelo cidadão de Bangladesh Muhammad Yunus, também conhecido como “banqueiro dos pobres”, Prêmio Nobel da Paz de 2006.
Yunus acredita que o desenvolvimento só faz sentido se houver melhoria das condições de vida, acesso a empregos dignos e redução das desigualdades. Editado aqui no Brasil em 2004, o primeiro livro de Yunus, “O Banqueiro dos Pobres” (Editora Ática) conta como ele criou o Grameen Bank e mudou a vida de 2 milhões de pessoas em Bangladesh, no final da década de 70, emprestando quantias pequenas, deixando prazo longo para pagar e fazendo uma exigência: o dinheiro só poderia ser liberado se fosse investido em produção. Nada de pegar dinheiro para pagar outro empréstimo, por exemplo. A ideia de Yunus é fazer o capital circular sempre.
Nessas quase quatro décadas de atividades em prol dos pobres – o Grameen Bank foi criado em 1977 e o Grameen Trust, agência que cuida de treinar pessoas pelo mundo afora para replicar a experiência, em 1983 – Yunus teve apoio de fundações poderosas, como MacArthur, Rockefeller. E, como não podia deixar de ser, angariou também alguns inimigos que procuraram detonar sua imagem, mas nunca conseguiram provar nenhum tipo de fraude. Em 2011 foi demitido do próprio banco que fundara porque a legislação de seu país não permite que cidadãos com mais de 70 anos sejam diretores de instituições financeiras.
Yunus plantou uma semente que se espalhou e vem criando frutos mundo afora. Sua proposta de mudança do modelo econômico visa especificamente a diminuir a distância entre pobres e ricos. Pode não ser ainda uma reviravolta radical no nosso modelo atual, como seria se, por exemplo, a ideia de Thomas Piketty, de criar um imposto para os ricos, fosse levada a cabo. Mas serve como um excelente aglutinador de boas alternativas, e foi isso o que eu pensei no sábado enquanto ouvia os projetos e as pontuações dos especialistas no evento apoiado pela Fundação Via Varejo. Sim, o apoio é preciso: afinal, tem que ter dinheiro para fazer o projeto andar...
Entre as ideias, a que mais me chamou a atenção foi o “Meu Doutor”, que pensa em criar uma forma para que as pessoas se cadastrem num site e consigam ser recebidas por médicos de várias especialidades sem ter que encarar as grandes filas do SUS. Inicialmente, Rodrigo Belda, jovem de 27 anos, um dos idealizadores, pensou em conseguir médicos voluntários para fazerem a consulta de graça. Mas, na incubação, recebeu a sugestão para mudar esse detalhe porque seria difícil encontrar médicos que aceitassem o trabalho voluntário.
Com a mudança, o projeto ficou assim: o cliente pagará R$ 10 de consulta e a ideia é conseguir parcerias com laboratórios e outras clínicas populares para ampliar o sistema. Os médicos disponibilizariam seis consultas por mês, e Rodrigo pensa em gastar parte do dinheiro que receberá – ele pede R$ 600 mil à Yunus Negócios Sociais – em campanhas de marketing para atrair jovens doutores à tarefa. Depois da exposição, os especialistas alertaram para alguns pontos, perguntaram se os idealizadores pensaram numa forma de obter feedback sobre a consulta e como os médicos se afiliariam.
Na hora do café fui conversar com Rodrigo. Um detalhe, especialmente, me chamou a atenção na sua exposição: ele não quer que seu projeto vire política pública. “Eu não tenho nada contra o Estado, mas não quero que um político faça uso desse projeto como plataforma para se eleger, entende?”, disse-me ele.
Como seus pais são médicos, Rodrigo cresceu ouvindo histórias sobre a ineficiência do SUS, sobre a luta das pessoas para conseguirem ser atendidas etc. Por isso buscou essa alternativa. Conversamos sobre a possibilidade de se investir mais em prevenção de saúde, menos em tratamentos. Ele concordou comigo.
“Seria importante sim se as pessoas aprendessem a se cuidar melhor em vez de buscar tanto a medicalização de seus sintomas”, disse-me.

Argumentei que esse comportamento vem do fato de as pessoas terem se acostumado a acreditar em milagres que são “vendidos” em caixas de remédios. Ele também acredita nisso. No final, disse-me que, de fato, o ideal do negócio social seria ter prazo para terminar, já que a ideia é que o mundo não tenha mais necessidade de pessoas pensando em acabar com a pobreza e a desigualdade. “O ideal do negócio social é não existir”, disse o jovem. Foi minha vez de concordar.
Mas ainda precisaremos de muito tempo até atingir esse ideal. Enquanto isso, negócios sociais são bem-vindos. Entre os outros projetos que estão prestar a receber o Selo Yunus há o “Solar Ear”, que barateia aparelhos para deficientes auditivos; o “Pé de Feijão”, que foca no cultivo de hortas urbanas para ampliar o acesso a alimentos saudáveis. Tem ainda o “Saneamento Sustentável”, que propõe uma solução de baixo custo para levar saneamento a toda a população, o “Nossa Cidade”, que pretende ser uma espécie de vetor para tecnologias sociais e o “A Gente Transforma”, projeto liderado pelo arquiteto Marcelo Ronsenbaum. Esse último já é até laureado e busca abrir mercado, gerar renda, mudar a vida de pessoas de comunidades distantes, de baixa renda, que constroem objetos com as mãos.
Cada um deles recebeu sugestões e críticas das nove pessoas que ouviram suas apresentações. Há ainda alguns passos até que eles possam receber o Selo e o dinheiro para começar a tocar o negócio e, em alguns casos, a ampliá-lo. Na abertura do evento, que durou o dia todo, Rogerio Oliveira lembrou que a busca por empreendedores sociais está aumentando. Em 1980 havia 12 incubadoras nos Estados Unidos, e hoje já são mais de mil.
Por um lado, essa é uma boa notícia. Por outro, reafirma que nosso modelo de civilização precisa se reformular, diminuir o fosso da desigualdade, para que se possa investir mais em criar novas possibilidades, menos em tentar consertar o que deu errado.
Aproveito para convidar os leitores a assistirem a partir de hoje, todas as segundas e quartas, às 21h, ao programa “Entrevista”, no Canal Futura, onde estarei entrevistando pessoas que nos ajudam a refletir sobre essas e outras mudanças no nosso formato de civilização. A entrevistada de estreia será Suzana Khan, professora e cientista membro do IPCC, que conta muita história de bastidores do relatório que desde 2007 fez a humanidade encarar de frente o impacto que causa ao meio ambiente.

* Dados da Oxfam, confederação com mais de três mil organizações que atuam em busca de soluções para a pobreza e a injustiça social
Fonte G1

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