Pular para o conteúdo principal

O ostracismo dos sábios, por VASCO ARRUDA

Semana passada recebi uma ligação de uma instituição que acolhe idosos. A pessoa do outro lado da linha iniciou um discurso que começava com a informação: “Não sei se é do conhecimento do senhor, mas ultimamente tem aumentado muito o número de idosos abandonados em Fortaleza”. Depois de ouvir as razões aduzidas para a solicitação de que eu colaborasse com um donativo, falei que gostaria de conhecer melhor a instituição. Dias depois, tive oportunidade de conversar com a assistente social, ocasião em que chequei a informação inicial, prontamente confirmada.
A conversa me fez recordar um trecho do livro Envelhescência: um fenômeno da modernidade, à luz da psicanálise, em que a psicanalista Sylvia Salles Godoy de Souza Soares afirma: ”O tema – envelhecimento – ocupa, desde sempre, um lugar de suma importância nas indagações do ser humano. Sua relevância acentuou-se no final do século XX, seja por sua correspondência a uma parcela da população cada vez mais extensa e representativa, seja pela inauguração de um estilo de vida peculiar, decorrente de acentuadas mudanças no mundo contemporâneo. Entretanto, observa-se que no cerne dos usos e costumes atuais perduram estereótipos e modelos de ostracismo do idoso incompatíveis com o ritmo e qualidade de vida modernos”.
Lembrei também do documentário “O sultanato de Omã”, da série “Algum lugar na Terra”. Omã guarda tradições milenares, ciosamente transmitidos pelas gerações mais velhas aos jovens. Uma dessas é a construção e manutenção dos aflaj, canais que alimentam o sistema de irrigação que data de cinco mil anos, declarados patrimônio cultural da humanidade. Um dos personagens entrevistados, Ahmed, é responsável pelos aflaj em sua comunidade. Dele afirmam que é “um mestre da água, guardião da memória e do saber”. É assim que acontece em sociedades que valorizam os idosos.
Em outra comunidade, um velho beduíno, responsável por cuidar das tamareiras da família, depois de falar da importância de transmitir o saber aos mais novos, para que este não se perca com o tempo, entoa uma canção cujos versos ecoam nas encostas das montanhas: “Quando os cabelos de um homem se tornam brancos, eles lhe dão prestígio; quarenta anos é o auge da vida; cinquenta anos é outro tempo, o início de outra vida; sessenta anos é o momento de colher o que plantamos, é o fruto da experiência, a época da colheita”.
Pensando nos versos da bela canção entoada pelo beduíno Said, me ocorre que, lamentavelmente, na sociedade do descartável em que vivemos, o que muitos dos nossos guardiões e guardiãs do saber têm colhido é apenas desprezo e solidão, condenados, em sua velhice, a um ostracismo que os obriga a terminar seus dias imersos em uma amargura e solidão desmedidas.   Contradições de uma sociedade em que, embora ninguém queira morrer jovem – condição para não envelhecer – paradoxalmente, a velhice foi convertida em sinônimo de anátema e maldição.

* Sincronicidade - Religião sob um novo olhar  Link to Sincronicidade

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PADRE JOÃO BATISTA FROTA LANÇA O LIVRO “NAS PEGADAS DE JESUS”

Ainda não tive o prazer de ler o livro recém-lançado pelo conterrâneo Padre João Batista Frota. Em breve com certeza comentarei com vocês. Padre João é massapeense, embora radicado em Sobral há muitos anos. Tenho por ele uma profunda admiração. Não tenho dúvida de que se trata de uma excelente leitura. Li na última edição de o Jornal Correio da Semana um belo artigo do Professor Teodoro Soares e resolvi transcrever in verbis: Monsenhor João Batista Frota, professor emérito da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), depois de publicar “Marcos de esperança” e “Construindo o amanhã”, lança nesta semana seu mais recente livro “Procurando as pegadas de Jesus”. Padre João nos faz viajar com ele, ao descrever cenários e circunstâncias de sua viagem ao Oriente, ora de trem que chega a perder numa estação, ora de navio que lhe faz dançar sem querer. Seu trajeto inclui espiritualidade e realidade hodierna. Preparado para recitar o salmo 122 (“nossos passos já se detêm às tuas portas, Jerusal

COLÉGIO LUCIANO FEIJÃO COMEMORA A CONSAGRAÇÃO DO BRASILEIRO MAIS JOVEM A INGRESSAR NO ITA

A saga do aluno do Colégio Luciano Feijão, Ronaldo Chaves, com apenas 15 anos, que se tornou o brasileiro mais jovem a ingressar no ITA - Instituto Tecnológico da Aeronáutica, é destaque no facebook, na página dedicada aos nordestinos brilhantes. Ronaldo Chaves foi aluno do Colégio Luciano Feijão, é de Sobral, orgulho de todos os cearenses.  

NOSSA RECONHECIMENTO AO DR. FERNANDO TELES DE PAULA LIMA

Não tenho dúvidas de que a magistratura cearense tem em seus  quadros  grandes juízes, mas destaco o Dr. Fernando Teles de Paula Lima como um dos maiores expoentes dessa nova safra. Durante os dez anos de atuação na Comarca de Massapê nunca se ouviu falar de qualquer ato que desabonasse sua conduta. Ao contrário, sempre desempenhou sua árdua missão com a mais absoluta lisura e seriedade. Fato inclusive comprovado pela aprovação de seu trabalho junto à população de Massapê. Ainda hoje me deparo constantemente com muitos populares que  lamentam sua ausência e afirmam que a sua atuação como Juiz neste município garantiu a tranquilidade e a paz da população. Sem dúvida a passagem do Dr. Fernando Teles na Comarca de Massapê marcou a história do judiciário deste município. Tive a satisfação de com ele conviver nesses dez anos. Aprendi bastante. Fui testemunha de um homem sério que tratava a todos da mesma maneira, não se importando com a origem social ou  a condição econômica. Jamais se cur