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Entre a doutrina Obama e a doutrina Bush, POR HELIO GUROVITZ

O ex-presidente dos EUA George W. Bush e o atual presidente, Barack Obama, durante cerimônia nesta segunda-feira (2) em Dar es Salaam, na Tanzânia












Duas estratégias para combater o Estado Islâmico (EI) têm sido defendidas após os ataques de Paris. Chamemo-las, na falta de nomes melhores, de “doutrina Obama” e “doutrina Bush”. São visões opostas sobre a melhor forma de ação, ambas têm raízes profundas na política externa americana – e ambas já mostraram que podem dar errado.

Comecemos pela “doutrina Bush”. O Bush aí se refere a George W., o irmão de Jeb que interveio militarmente no Afeganistão e no Iraque depois dos ataques de 11 de Setembro. Os objetivos eram destruir os campos de treinamento da Al Qaeda e depôr o ditador Saddam Hussein, falsamente acusado de manter armas de destruição em massa. É, portanto, uma doutrina intervencionista, que vê a necessidade de pôr “botas no chão” para conter a expansão do EI.

O intervencionismo vai e vem na política externa americana. Depois que Roosevelt, um isolacionista, resistiu a entrar na Segunda Guerra e evitou, mesmo tendo todas as informações a respeito, atacar os campos de extermínio nazistas, passou a ser a política preferencial no combate ao comunismo. Daí vieram as guerras da Coreia e do Vietnã. O atoleiro vietnamita fez crescer a oposição aos intervencionistas, mas o sucesso aparente de de George H. Bush, o pai, na primeira Guerra do Golfo, em 1991, fez crescer a opinião favorável a eles.

Foi essa a experiência que levou Bush, o filho, a enviar tropas e mais tropas ao Afeganistão e ao Iraque. O resultado da “doutrina Bush” foi o desmantelamento das estruturas de poder local, a emergência de vários grupos jihadistas – entre os quais, o EI é mais bem-sucedido – e o crescimento da influência da Rússia e do Irã na região. Com todos os soldados americanos mortos e traumatizados no Iraque e no Afeganistão, ela foi criticada mesmo entre os republicanos nas eleições de 2008

Há agora, contudo, um crescente “revival” dessas ideias na atual disputa eleitoral pela sucessão de Obama. Entre seus defensores mais convictos estão senadores como o ex-candidato John McCain e o pré-candidato Lindsay Graham, que já propôs o envio de 10 mil soldados americanos de volta ao Iraque. O irmão de George W., o também pré-candidato Jeb Bush, chamou de volta o grupo de assessores conhecidos como “neocons” para auxiliá-lo a montar suas propostas de política externa, segundo uma reportagem recente da revista New Yorker

O pré-candidato Marco Rubio, atual favorito a levar a candidatura republicana segundo as casas de apostas, propôs romper o acordo com o Irã, ampliar em US$ 1 bilhão os gastos militares para intervir na Síria e em outros palcos onde os Estados Unidos perderam influência, como argumenta em artigo na Foreign Affairs. Ele foi o primeiro a gravar um vídeo chamando os atentados de Paris de alerta para o “choque de civilizações” –  expressão cunhada pelo acadêmico Samuel Huntington em 1996 que se tornou mantra dos “neocons”.

Críticos da “doutrina Bush” afirmam que o resultado da intervenção militar promovida pelos Estados Unidos no Oriente Médio depois de 2001 foi mais um dos desastres que se sucedem na região há décadas. Eles apontam como erros crassos a divisão de fronteiras depois da Primeira Guerra, a adulação das ditaduras nos países árabes, o apoio cego à brutalidade de Israel na Palestina e o intervencionismo militar de ocasião, em nome de interesses de curto prazo.

“Décadas de políticas equivocadas dos EUA e da Europa para a região deixaram muitos no mundo árabe e islâmico com raiva e ressentimento perante o Ocidente”, escreve na Foreign Policy Stephen Walt, da Universidade Harvard. “A tentação óbvia depois de um ataque (…) é reunir uma ‘coalizão da boa vontade’ e enviar uma nova força expedicionária ao Iraque e à Síria para tentar matar tantos jihadistas quanto for possível, na esperança de destruir o Estado Islâmico de uma vez por todas.” De acordo com Walt, fazer isso seria mais um erro. “Não resolveria o problema e poderia facilmente torná-lo pior”, diz. Mais pessoas passariam a ver o Ocidente como invasor e os jihadistas como heróis. Seria complicadíssimo governar as áreas – como foi nos anos Bush – e, ainda que o EI seja destruído, sua mensagem estaria viva para alimentar novos terroristas.

O que propõem, então, os defensores da “doutrina Obama”? Eis o que afirmou sobre o EI, em entrevista à rede de TV ABC, o próprio Obama na véspera dos atentados (em vez de EI, ele usa a sigla Isil): “Desde o início, nossa meta foi primeiro a contenção, e nos os contivemos. Eles não ganharam terreno no Iraque. E na Síria eles vão entrar, vão sair. Mas você não vê essa marcha sistemática do Isil pelo terreno. O que não conseguimos fazer ainda foi decapitar suas estruturas de comando e controle. Fizemos algum progresso ao tentar reduzir o fluxo de combatentes estrangeiros”.

É verdade que o EI tem perdido terreno. No mesmo dia dos ataques de Paris, forças ocidentais mataram um de seus símbolos, o terrrorista que aparecia cortando cabeças em vídeos, conhecido como Jihadi John. Os curdos tomaram do EI a cidade de Sinjar, no norte da Síria, um ponto importante na rota de contrabando de petróleo, usado pelos terroristas como fonte de recursos. De acordo com William McCants, da Brookings Insitution, o EI perdeu controle de cerca de 25% de seu território desde junho de 2014 – ou 10% desde o início deste ano. 

Os três ataques recentes do EI – ao avião russo no Sinai e aos civis em Beirute e Paris – revelam uma mudança de estratégia, com o objetivo de levar o terror a alvos externos, fazer propaganda para atrair mais recrutas e provocar a reação do Ocidente. “O Estado Islâmico quer provocar respostas que reforcem sua narrativa de um conflito religioso irreconciliável e atrair ainda mais simpatizantes para seu estandarte sangrento”, diz Walt. “Se o EI conseguir levar a França e outros países a reagir contra cidadãos muçulmanos e fizer o Ocidente reocupar vastos trechos do Oriente Médio, então sua falsa narrativa sobre a antipatia profunda e intrínseca dos países ocidentais em relação ao Islã ganhará mais credibilidade, assim como sua imagem cuidadosamente cultivada de mais aguerrido defensor do Islã da atualidade.”

Para McCants, as políticas normalmente usadas no combate a estados que patrocinam o terror não funcionarão nesse caso. “Embargos comerciais ou o congelamento de contas bancárias, que foram eficazes contra a Líbia, não são opções viáveis”, escreve na Foreign Policy. As duas opções para lidar com a questão são, segundo ele, a contenção – proposta original da “doutrina Obama”, que permitiu o crescimento do EI–, ou a intervenção – proposta da “doutrina Bush”, que permitiu seu surgimento.

“A contenção deixa o estado intacto, mas enfraquece sua capacidade de agir além de suas fronteiras. Mas o terrorismo se torna uma opção mais atraente”, diz McCants. “Destruir o estado-pária nos livra do problema – mas, como vimos na última década no Iraque, o que vem depois pode ser pior.” Uma alternativa intermediária, adotada recentemente por Obama em negociações com os europeus, é o estrangulamento. Na definição de McCants, isso significa, em conjunto com milícias locais, “apertar o laço em torno do pescoço do Estado Islâmico, tomando território na periferia e movendo em direção a suas bases”. Trata-se de um “processo longo, agonizante, mas que tem produzido resultados”.

Qualquer que seja a doutrina adotada, o prognóstico de curto prazo é ruim. Mesmo que o EI se enfraqueça na Síria e no Iraque, os ataques terroristas no exterior tendem a aumentar. E a inteligência ocidental já demonstrou ser incapaz de preveni-los. O belga Abdelhamid Abbaoud foi o personagem principal de reportagem do New York Times de janeiro passado. Deixado à solta pelas autoridades, foi o mentor dos atentados de Paris – e fugiu.

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