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O país do favor e do medo do feitiço, por Yvonne Maggie

Eduardo Cunha (Gnews)











Quem já leu Raimundo Faoro, Roberto DaMatta e a carta de Pero Vaz de Caminha sabe que a política no Brasil – talvez em qualquer parte do mundo – é feita de troca de favores. Abaixo da linha do Equador o quadro é muito evidente! E por demais assustador. A troca é explícita: eu lhe dou e você me deve, e assim a banda toca. Fica o dito pelo não dito e pronto. 

Eu lhe dou em troca do voto a licença para ter uma autonomia de táxi, por exemplo. Ou se votar na minha emenda sobre determinada lei eu voto na sua. Assim vai indo desde que Pero Vaz de Caminha, ao escrever para o rei de Portugal anunciando a descoberta da nova terra, termina sua carta com um pedido antes do beija-mão: “E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê.”

A sociedade do favor, que faz nascer o clientelismo, sempre foi descrita a partir das trocas que são do bem. Ao vencedor as batatas, como disse Roberto Schwarz. Trazer o genro da ilha de São Tomé foi um pedido que, certamente, não fez de Caminha um devedor eterno, mas certamente tal préstimo deve ter-lhe custado obediência e lealdade, caso tiver sido atendido, é claro. 

Porém, sendo eu uma estudiosa do outro lado do favor, ou seja, da maldade e do feitiço, sei que há medo nessas trocas. Em geral, não se fala desse lado, do perigo. A feitiçaria está presente na nossa sociedade e de alguma forma é o reverso do favor. A crença na feitiçaria está entranhada em nossas leis e na vida cotidiana dos brasileiros. Mesmo que não se veja mais tantos despachos nas esquinas, o perigo ronda porque sabemos que o “olho grande”, a inveja, é pior do que um “feitiço” porque é inconsciente. Não se deve elogiar a beleza de uma criança, ou as flores cultivadas com carinho pela dona de casa, sem acrescentar o “Benza Deus”. Pois é.  

A ciranda de favores que assistimos abestalhados nestes últimos meses, em que apoios são trocados por ministérios sem a menor menção aos ritos essenciais ao cargo, me fez pensar no medo e na maldade. “Benza Deus”.

O que faz com que tanta gente tenha apoiado Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados? Que troca é esta? Por que o ex-presidente da Telerj – a instituição pública que nos fazia penar para ter um telefone – foi galgando espaços depois de ter sido simplesmente tesoureiro da campanha de Collor no Rio de Janeiro?  Ele tem cara de mau. Ah, isso tem! Até um dos delatores da Lava Jato custou a mencioná-lo e disse que tinha medo dele. Mas o deputado embora meta medo tem uma firma nomeada Jesus.com.

Que medo é esse? Os que receberam favores devem agora retribuir. Retribuir como? E que favores são esses? O medo é tanto que aconselharam a presidente da República a responder com calma aos ataques do presidente da Câmara.  Favores trocados implicam sempre em uma retribuição. Romper a circulação da dádiva pode acarretar a fúria dos doadores, não é mesmo?  

Imagino o que acontece longe dos holofotes e dos corredores do Congresso Nacional. Penso no medo do feitiço que afeta todos os que se imiscuem na roda da troca de favores políticos nesse mundo de milhões para cá e para lá. Aliás, bilhões. Não é aquele favor tradicional do voto por uma bica de água na favela. É a troca pesada que agora está sendo rompida porque um juiz resolveu levar a sério uma pequena mudança na lei que permite ao acusado entregar o ouro na “delação premiada” para receber pena menor. A partir daí, rompeu-se a roda das trocas e apareceu o perigo, o medo da retaliação. Afinal, nunca se esclareceu lá muito bem o que houve com o PC Farias, lembram-se? E não havia delação premiada. Alguém foi simplesmente mau e o fez pagar com a vida pela troca errada ou por ter rompido o círculo das trocas.  

Foi por isso que alguém disse: Quem tem Cunha tem medo...

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