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Documentário ‘Cordilheiras no mar’ devolve a voz a Glauber Rocha, POR LUCIANO TRIGO

Glauber Rocha












Mais de 30 anos após sua morte, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas, o cineasta Glauber Rocha continua sendo uma figura difícil de digerir. Seus filmes, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”, continuam sendo exaltados como obras-primas do Cinema Novo, naturalmente, mas ainda pesa um silêncio ensurdecedor sobre a difícil relação de Glauber com as esquerdas, relação que azedou de vez após os elogios feitos aos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, nos anos 70. Seguiu-se um verdadeiro assassinato cultural, sobre o qual pouco se fala até hoje. Não deixa de ser um paradoxo e uma ironia que o cinema de Glauber, tão transgressor em sua época, hoje pareça inofensivo, confinado que está aos debates acadêmicos, ao passo que seu ativismo político, marcado pela independência, continua a incomodar.
No documentário "Cordilheiras no mar: a fúria do fogo bárbaro", que integra a programação do Festival do Rio, o jornalista Geneton Moraes Neto coloca o dedo na ferida. Em tom de reportagem, o filme fala pouco ou nada sobre cinema: o diretor não está preocupado em discutir a estética ou com a cosmética da fome (debate geralmente tão árido quanto pretensioso), mas sim em dar novamente voz a um Glauber Rocha que foi silenciado e abandonado, quando não perseguido por antigos companheiros de jornada.
Documentário “Cordilheiras no mar”, do Geneton, sobre Glauber Rocha
Geneton se encontrou com Glauber no inverno de 1981, quando estudava cinema em Paris. Foi durante um debate após a exibição de "A idade da Terra", o último longa-metragem de Glauber, para críticos franceses. Embora já estivesse doente, Glauber mantinha o tom exaltado e incendiário característico de suas falas em público. Geneton planejava escrever uma tese sobre a possibilidade de um cinema desenvolvido em um país subdesenvolvido – tese que, infelizmente, nunca foi escrita. Mas, com sua vocação de jornalista, ele aproveitou seu tempo na França para gravar depoimentos de personagens importantes do cinema francês, como os críticos Serge Daney, da revista "Cahiers du Cinéma", e Louis Marcorelles, do "Le Monde"; o cineasta Jean Rouch; e o historiador Marc Ferro – já pensando em um documentário sobre Glauber.

De Paris, Glauber Rocha partiu para Portugal, onde sua saúde se agravou nos meses seguintes, até seu retorno ao – e sua morte precoce no – Brasil. Por sua vez Geneton, também de volta ao país, gravou novas entrevistas, entre outras com Miguel Arraes, governador deposto pela ditadura em 1964, e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, que falaram sobre seus encontros com Glauber no exílio. Todas essas imagens foram parar na gaveta, onde ficaram até 2014, quando Geneton decidiu tirar uma folga do jornalismo e retomou o “projeto Glauber”.
Produzido com baixíssimo orçamento e com apoio do Canal Brasil. “Cordilheiras no mar” inclui 16 novos depoimentos – incluindo os de Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Heitor Cony, Zuenir Ventura e o do ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso (curiosamente, o responsável pelas falas mais incisivas do filme: ele praticamente acusa a esquerda de ter matado Glauber). Além desses registros, em alguns dos quais se percebe um desconfortável tom de mea culpa, pontuam a narrativa do documentário sequências com leituras de textos e declarações de Glauber, gravadas nos jardins do Parque Lage e no Palácio do catete – com o ator Cláudio Jaborandy, mas também com Paulo César Pereio, Ana Maria Magalhães e Aderbal Freire Filho. Chama a atenção que os depoimentos gravados há três décadas não ficaram datados, sinal de que o debate sobre Glauber pouco evoluiu.
Mais que isso, concluído e exibido em 2015, “Cordilheiras no Mar” ganha novos significados: o documentário pode e deve ser visto hoje como um filme sobre a intolerância e sobre o mal que o dogmatismo político pode fazer a uma nação. Glauber foi massacrado pela esquerda quando declarou seu apoio ao projeto de abertura anunciado por Geisel, ou seja, foi crucificado por apostar na saída possível para o impasse que se vivia no país. A ditadura acabou faz tempo, mas certos comportamentos continuam bem vivos. Hoje, quando o Brasil atravessa uma nova e sombria crise política, a patrulha ideológica se tornou governista, mas a situação não é muito diferente em termos de estreiteza moral e mediocridade de raciocínio.

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