Pular para o conteúdo principal

ENSAIO SOBRE NOSSAS PEQUENAS MORTES DIÁRIAS, por Roberta Simão


Velho-Homem-Pintura-de-Van-Gogh.jpg (Homem Velho - Van Gogh)
Há um mistério que intriga a maioria dos seres racionais desse planeta: a falta de controle sobre a nossa morte. Intelectuais e poetas sempre manifestaram sua admiração por este tema. Enxurradas histéricas de novas invenções tecnológicas são nossas cúmplices no sentimento cego de poder e controle sobre todas as coisas. Juntas e tacanhas convivem a era do controle, a era touch, a era glass e tantas outras histerias tecnológicas, que nos fazem sentirmos capitães das fragatas nas ondas da internet e de nossas vidas.
O fato é que muita gente já morreu alguma vez e nunca desconfiou disso. Inclusive você, não obstante eu. Porque a gente morre quando levanta da cama e já corre para olhar o celular. Morre de monotonia, de inércia, de marasmo, de falta de sonhos e de sonhos não realizados. A gente morre de medo de por o dedo em riste na cara do próprio medo e de pegar a coragem e seguir caminhando.
Morremos de medo de trocar hábitos, de mudar de ideias, convicções, de ver as coisas por outra perspectiva e damos um repeat automático nos comportamentos viciados e ranzinzas. Morremos de medo de olhar para o espelho da consciência e encarar os olhos nada atrativos das verdades de nossa alma, pois os reflexos geralmente são indigestos e desagradáveis. Morremos de medo de colocar em pratos limpos as mazelas de uma relação corroída, mas sustentada, apesar do visível desgaste, devido à insistência do amor que já não é mais o mesmo, mas que poderia voltar a ser ainda melhor se fossemos viscerais e honestos com nós mesmo e com o outro. Morremos na reincidência infinita de conhecidos ranços e defeitos, dos outros, e nossos. Morremos quando não somos coerentes com o que sentimos.
Chico Buarque já cantava sobre o tema em sua música Cotidiano: “Todo dia ela faz tudo sempre igual, me acorda às 6 horas da manhã”. Também na música Construção: “Beijou sua mulher como se fosse lógico. Ergueu no patamar quatro paredes flácidas. Sentou pra descansar como se fosse um pássaro. E flutuou no ar como se fosse um príncipe. E se acabou no chão feito um pacote bêbado. Morreu na contramão atrapalhando o sábado”.
A-Persistencia-da-Memoria.jpg ( A persistência da memória - Dali)
Na verdade, vivemos cercados de óbitos commoditizados, sem cara nem desejos. E não sabemos de que forma sair de tão grande e paraplégica falta de competência de atitudes. Morremos de frio na alma e de falta de verdades. De amor encoberto e não depurado pela falta de coragem e por excesso de orgulho. De afeto endurecido e estancado. De gentileza não manifestada numa fala que deveria ser doce. Morremos de egoísmo e de falta de sensibilidade. Morremos de silêncios e escapismos. Não botamos para fora o que não nos agrada por medo de julgamentos. Morremos de preconceitos, de inveja, de ódios e opilações de fígado. E juramos que esses sentimentos, totalmente anti-civilizados e sem elegância, se manifestam e pertencem apenas aos outros. Também se morre de arrogância, de presunção, de soberba. Morre também quem permite que a paixão morra no sexo e que faz amor fingindo prazer, como quem come um mil folhas com o nariz completamente entupido.
Muita gente também morre de mediocridade. Pessoas que não são capazes de reconhecer o valor e os grandes feitos do outro. Sem saber que esta atitude só demonstra sua fraqueza comissiva de alma e que a mediocridade anda de mãos dadas com inveja. Muita gente morre de orgulho e nunca pensa na possibilidade de ceder. Gente que nunca conheceu a grandiosidade do ato de perdoar, do conforto de um abraço de perdão e do discurso sem máscaras.
Urgente! É preciso ter coragem e força de personalidade para olhar para dentro de si e, identificar essas pequenas mortes diárias. Fazer delas o combustível para catarses existenciais que melhorem cada um como ser humano. Que nos possibilite ver e ter uma vida com mais honestidade, ética, sensibilidade, poesia, densidade e amor. Ter a coragem de trocar nossas pequenas mortes de cada dia por sobressaltos cheios de cores, beijos úmidos e risadas altas, prontas para ocupar os palcos de uma vida mais verdadeira e se refestelarem soltas ao sabor do vento sem nenhuma amarra ou máscara. Vida longa e muito amor a todos que se dispuserem ao desafio.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história do lápis, POR paulo coelho

O menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou: - Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história sobre mim? A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto: - Estou escrevendo sobre você, é verdade. Entretanto, mais importante do que as palavras é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse. O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.   - Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida! - Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.   “Primeira qualidade: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e Ele deve sempre conduzi-lo em direção à Sua vontade”. “Segunda qualidade: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o ...

UM EXEMPLO A SER SEGUIDO: Filha de cobrador de ônibus que ir para HARVARD

"Mais do que 30 medalhas conquistadas em olimpíadas de física, química, informática, matemática, astronomia, robótica e linguística no mundo todo, a estudante Tábata Cláudia Amaral de Pontes, de 17 anos, moradora de São Paulo, guarda lembranças, contatos, culturas e histórias dos amigos estrangeiros que fez por onde passou. Bolsista do Etapa,Tábata que é filha de uma vendedora de flores e um cobrador de ônibus conclui em 2011 o terceiro ano do ensino médio e encerra a vida de "atleta." O próximo desafio é ingressar na universidade. A jovem quer estudar astrofísica e ciências sociais na Harvard University, nos EUA, ou em outra instituição de ensino superior americana. Está participando de oito processos seletivos para conseguir bolsa de estudos. "Com ciência é possível descobrir o mundo. Eu me sinto descobrindo o mundo e fico encantada com o céu" Tábata Amaral, estudante Também vai prestar física na Fuvest, medicina na Universidade Estadual de Campinas (Un...

Felicidade é sentir-se pleno

Não permita que a irritação e o mau humor do outro contaminem sua vida. Não permita que a mágoa alimentada e as reações de orgulho do outro definam a sua forma de reação.  Se alimente de um amor pleno a tal ponto que não seja contaminado por aquilo que lhe é externo. Não gere expectativas que a sua felicidade dependerá de alguém ou de alguma coisa, ou de alguma conquista. Não  transfira ao outro ou a uma circunstância aquilo que é sua tarefa. A felicidade é  um estado interior que se alcança quando se descobre a plenitude com aquilo que nos relaciona com o "todo", com o universo, com Deus. A felicidade está na descoberta da sua missão, do fazer humano em benefício do próximo, da tarefa inarredável de tornarmos este mundo melhor com a nossa presença. Ser feliz é uma atitude, uma ação, um movimento para o bem. É encher-se de  amor pela aventura da vida, é construir esperança no meio do caos, é sempre ter um sorriso aberto para o que destino nos apresenta. Felicidade é ...