Pular para o conteúdo principal

O Brasileiro do século, por Vlademir Saflatele


Neste momento em que se inicia uma nova campanha eleitoral para presidente da República, não há lançamento editorial mais bem-vindo que a publicação de Obra Autobiográfica, do economista Celso Furtado, em edição cuidadosa organizada por Rosa Freire de Aguiar. O retorno de tais obras às livrarias talvez permita que uma nova geração conheça este que, ainda hoje, é o intelectual brasileiro mais traduzido, com 53 traduções em línguas que vão do inglês ao sueco, polonês e farsi. Uma curiosidade biográfica que indica com clareza o reconhecimento da originalidade e importância de sua obra.
Descobrir a formação, as preocupações e habilidades de Celso Furtado nos leva a encarar com tristeza o que as universidades brasileiras fizeram com uma disciplina como a economia. Nas mãos de Furtado, a economia era um setor das ciências humanas indissociável de profunda reflexão histórica e de compreensão estrutural das relações globais de poder. Por isso, ela era a base para toda e qualquer crítica social. O resultado foram realizações como sua tese a respeito daFormação Econômica do Brasil. Talvez o caso mais bem realizado, na literatura econômica do mundo todo, de uma obra capaz de aliar análise do processo histórico de formação nacional e considerações sobre as dificuldades do desenvolvimento econômico.
Mas com Celso Furtado a economia era também reflexão sobre a produção da riqueza em seu sentido mais amplo, e neste ponto sua condição de economista aliava-se à sua grandeza como homem público. Pois Furtado sabia que não era o caso de falar apenas da produção do que se estoca e do que se consome, mas produtividade da criatividade humana nos campos da cultura. Ele sabia mais do que todos não haver crescimento sem desenvolvimento das potencialidades criativas da vida social. É esse desenvolvimento das potencialidades que deve orientar a verdadeira reflexão econômica.
Dificilmente encontraremos algo tão distante da formação instrumental e financista que hoje nossos alunos recebem nos cursos de economia deste país, para quem uma consideração dessa natureza parecerá quase um devaneio poético. Por isso, quem mais desconhece Celso Furtado são, atualmente, os economistas, principalmente esses que acreditam que pensar um país é operação feita com a mesma racionalidade de quem gerencia carteira de investimentos. Afinal, o que esperar de uma ciência humana recalcitrante que acredita hoje garantir suas cartas de nobreza vendendo-se como setor aplicado das, vejam só vocês, “ciências matemáticas”?
Quem teve a honra de conhecer Furtado e ouvi-lo falar concordará que seu traço mais impressionante não era apenas sua lucidez analítica implacável que lhe permitia enxergar os problemas que quase todos preferiam ignorar. O que mais impressionava era como uma figura praticamente lendária como ele, que havia participado ativamente dos momentos mais ricos da história deste país, era animado por um desejo límpido de perguntar, de ouvir outras experiências, por mais que seu interlocutor fosse um simples estudante vivendo com o dinheiro do carro que sua namorada vendera. Essa era, talvez, sua maior lição e o maior ensinamento aos que o conheceram: o desejo de continuar a descobrir, a generosidade de quem pergunta.
Talvez isso explique um pouco do que animou sua vida singular, marcada pela capacidade em mesclar o que qualquer outro ser humano separaria, ou seja, pragmatismo e desejo. Que um de seus livros autobiográficos se chame A Fantasia Organizada, eis algo que diz muito. Pois haveria melhor definição da verdadeira atividade intelectual do que esta, a saber, a capacidade deorganizar a fantasia? Capacidade de se deixar tocar pela fantasia, de sempre continuar tendo a força de fantasiar mundos possíveis, mas de não se contentar em compensar a miséria da vida cotidiana com elaborações fantasmáticas. Ao contrário, organizar a força transformadora da fantasia, fazê-la habitar a prosa seca do conceito para, ao conciliá-la com o que anteriormente parecia o seu oposto, abrir o espaço à verdadeira transformação.
Por isso, neste tempo em que poucos ousam realmente organizar a produtividade da fantasia, nada mais aconselhável do que reler a vida de Celso Furtado e sua genialidade.
Fonte: Carta Capital

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história do lápis, POR paulo coelho

O menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou: - Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história sobre mim? A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto: - Estou escrevendo sobre você, é verdade. Entretanto, mais importante do que as palavras é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse. O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.   - Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida! - Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.   “Primeira qualidade: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e Ele deve sempre conduzi-lo em direção à Sua vontade”. “Segunda qualidade: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o ...

UM EXEMPLO A SER SEGUIDO: Filha de cobrador de ônibus que ir para HARVARD

"Mais do que 30 medalhas conquistadas em olimpíadas de física, química, informática, matemática, astronomia, robótica e linguística no mundo todo, a estudante Tábata Cláudia Amaral de Pontes, de 17 anos, moradora de São Paulo, guarda lembranças, contatos, culturas e histórias dos amigos estrangeiros que fez por onde passou. Bolsista do Etapa,Tábata que é filha de uma vendedora de flores e um cobrador de ônibus conclui em 2011 o terceiro ano do ensino médio e encerra a vida de "atleta." O próximo desafio é ingressar na universidade. A jovem quer estudar astrofísica e ciências sociais na Harvard University, nos EUA, ou em outra instituição de ensino superior americana. Está participando de oito processos seletivos para conseguir bolsa de estudos. "Com ciência é possível descobrir o mundo. Eu me sinto descobrindo o mundo e fico encantada com o céu" Tábata Amaral, estudante Também vai prestar física na Fuvest, medicina na Universidade Estadual de Campinas (Un...

Felicidade é sentir-se pleno

Não permita que a irritação e o mau humor do outro contaminem sua vida. Não permita que a mágoa alimentada e as reações de orgulho do outro definam a sua forma de reação.  Se alimente de um amor pleno a tal ponto que não seja contaminado por aquilo que lhe é externo. Não gere expectativas que a sua felicidade dependerá de alguém ou de alguma coisa, ou de alguma conquista. Não  transfira ao outro ou a uma circunstância aquilo que é sua tarefa. A felicidade é  um estado interior que se alcança quando se descobre a plenitude com aquilo que nos relaciona com o "todo", com o universo, com Deus. A felicidade está na descoberta da sua missão, do fazer humano em benefício do próximo, da tarefa inarredável de tornarmos este mundo melhor com a nossa presença. Ser feliz é uma atitude, uma ação, um movimento para o bem. É encher-se de  amor pela aventura da vida, é construir esperança no meio do caos, é sempre ter um sorriso aberto para o que destino nos apresenta. Felicidade é ...