Pular para o conteúdo principal

Prudência em Aristóteles e a questão da sustentabilidade

Trago um texto para vocês da professora de Filosofia Luciene Félix sobre a prudência em Aristóteles. É muito interessante e nos serve de reflexão:

“A prudência é de longe a primeira condição de felicidade. Nunca se deve cometer impiedade contra os deuses. Os orgulhosos vêem suas grandes palavras pagas pelos grandes golpes da sorte, e é apenas com os anos que aprendem a prudência”. Antígona, Sófocles
Diz um provérbio erudito, que a sabedoria “reina”, mas “não governa”. Quem governa é a ação, a phronêsis platônica; a Prudência aristotélica, o agir deliberado, refletido.Prudência é a ação ponderada, discutida, examinada, enfim, deliberada. Sim, o Estagirita (Aristóteles é da cidade de Estagira) desenvolveu o conceito de phronêsis legado por Platão e concebeu uma importantíssima teoria geral da ação, uma hermenêutica da existência humana enquanto agente no mundo e sobre o mundo. A phronêsis/Prudência – recta ratio agibilium – é virtude opinativa da alma: “daí que a Prudentia seja considerada a mãe (genitrix virtutum) e a guia (auriga virtutum) das virtudes”, diz Jean Lauand (FE-USP): “a virtude que realiza as demais”.A ação prudente é cautelosa, sim. Mas, ao contrário do que pensa o senso comum, Prudência não é morosidade, aliás, não admite perda de tempo. É rápida e certeira pois, o kairós (o tempo, do grego, no sentido de agir bem, no momento certo) é inerente à virtude da Prudência. “Nem antes nem depois”, como Odisseu (Ulisses) orienta a seu filho Telêmaco, na Odisséia Homérica.Tendo examinado cuidadosa e cautelosamente a questão que se apresente, ao Prudente urge agir de imediato. Mas examina, delibera. Alertando para a importância do kairós adequado à ação justa, o Pensador francês Pierre Aubenque afirma: “Não há justiça, se a decisão é tardia. O momento, o tempo, que permite que a justiça ocorra, é determinado pela Prudência”. Renomado estudioso dessa doutrina em Tomás de Aquino, o prof. Dr. Jean Lauand também atesta: “Na verdade, a prudentia, enquanto virtude da decisão, é a própria base da justiça e a iurisprudentia nada mais é do que a prudentia do ius”.A virtude da Prudência se estabelece em circunstâncias bem peculiares. O saber científico, das ciências, esse saber “lógico” pode dispensá-la. Sobre todos os nossos conhecimentos já certos, como o saber dos seres em si e por si, imutáveis e eternos, tais quais a aurora e o crepúsculo, as estações do ano, os ciclos lunares, os matemáticos e geométricos, o saber das Formas puras (Idéia platônica), de nossa mortalidade enfim, coisas já assentadas, não se pondera, não se escolhe, não há o que discutir, alterar, portanto, não se delibera.Só deliberamos (e aí sim, podemos orientar nossa ação pela Prudência) sobre “tudo o que é obra do homem”, como diz Aristóteles, o que está sujeito à mudança.É por isso que não há como se atribuir à ciência meramente lógica, um valor moral, ela não é meritória, é o que é. Atentem que um mal uso da Prudência (que não é da alçada das ciências exatas) seria uma contradição pois, ser prudente – agir bem – não comporta o insensato.Eis que a Prudência é outro gênero de conhecimento, é um saber moral porque há mérito em possuí-lo. Ela não existiria sem virtude moral. Em Aristóteles é a cisão do próprio mundo real que possibilita uma cisão paralela no interior da razão, não somente no interior da alma cognitiva (e seus modos de apreensão, exame, intelecção, cognoscência), mas da vida prática, contingente. Contingente é essa vida que levamos: instável, incerta, mutável, sujeita a atenuantes e agravantes, ao exame das circunstâncias, em suma, à deliberação.A contingência fomenta, funda e alimenta a virtude da Prudência, faz dela sua morada pois, é justamente por vivermos num mundo contingente, ou seja, sujeitos ao trágico, ao inimaginável, ao infortúnio, é no solo do acaso e do incerto que emerge a “auriga virtutum”, a boa ação, a virtuosa, posto que bem pensada. Conforme atesta Aubenque: “é a indeterminação dos futuros que faz do homem princípio; o inacabamento do mundo é o nascimento do homem”.A Prudência é considerada a virtude par excellence porque somente através de seu exercício é que o seres humanos podem refletir e escolher. Eis que a virtude da Prudência é a de um Saber da práxis, da ação com a qual os homens se acostumam e incorporam, se habitual e constituem sua moral.Nossas escolhas habituais, baseadas na valoração – ou não – de nossos semelhantes, na consideração (do latim siderio, estrelas) pelo “Outro”, constituirá nossa moral, estabelecerá nosso ETHOS.Ao revelar o ETHOS humano, a virtude da Prudência fundamenta sua incontestavelmente notória importância. Nosso planeta (habitat), como um todo, subordinado aos nossos hábitos (modus vivendi e modus operandi, passíveis de vir a ser constituídos por virtudes ou vícios) explicita nosso ETHOS.O filósofo grego pré-socrático Heráclito é quem nos dá o mais antigo testemunho da palavra phronêsis (Prudência), ao alertar que, na multidão, cada um, ao invés de compreender o que é comum, “se deixa viver como se tivesse sua própria inteligência”. O que ele quer dizer, segundo Aubenque, é que os mortais participam, bem ou mal, de um lógos que os ultrapassa e a falta mais grave do homem é opor sua individualidade ao universal no qual se insere".Se o melhor absoluto se revela impossível, dadas as circunstâncias, busquemos o melhor possível, nos ensina Aristóteles. Deus não delibera, não precisa; tampouco o animal detém poder para examinar suas possibilidades. Somente o homem é chamado à ação: “Torna-te o que és”, roga uma antiqüíssima inscrição no frontispício do oráculo de Apolo, na cidade grega de Delphos.Segundo Aubenque, “A deliberação representa a via humana, ou seja, mediana, aquela de um homem que não é completamente sábio nem inteiramente ignorante [como o daimon intermediário que vimos no artigo anterior, O Banquete sobre o Amor, de Platão], num mundo que não é, nem totalmente previsível, nem totalmente imprevisível, o qual, no entanto, convém ordenar usando as mediações claudicantes que ele nos oferece”.Como Aristóteles, sabemos que a deliberação, o exame, cujo conceito é emprestado da prática política, não basta para constituir a virtude, pois a deliberação não diz respeito ao fim, mas aos meios; em Aristóteles, a phronêsis torna-se Prudência, descola-se do “Ideal” platônico como télos (finalidade, propósito), não diz mais respeito ao Bem, mas ao útil. Eis que a deliberação enquanto tal, pode ser posta a serviço do mal, da desmedida, a hýbris grega.Também no frontispício do Oráculo do deus da harmonia, se lê: “Conhece-te a ti mesmo!” E conhecerás o Universo? E saberás que és um deus? Ou... E constatarás que és mortal? Sejamos Prudentes."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história do lápis, POR paulo coelho

O menino olhava a avó escrevendo uma carta. A certa altura, perguntou: - Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco? E por acaso, é uma história sobre mim? A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto: - Estou escrevendo sobre você, é verdade. Entretanto, mais importante do que as palavras é o lápis que estou usando. Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse. O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.   - Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida! - Tudo depende do modo como você olha as coisas. Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las, será sempre uma pessoa em paz com o mundo.   “Primeira qualidade: você pode fazer grandes coisas, mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos. Esta mão nós chamamos de Deus, e Ele deve sempre conduzi-lo em direção à Sua vontade”. “Segunda qualidade: de vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo, e usar o ...

UM EXEMPLO A SER SEGUIDO: Filha de cobrador de ônibus que ir para HARVARD

"Mais do que 30 medalhas conquistadas em olimpíadas de física, química, informática, matemática, astronomia, robótica e linguística no mundo todo, a estudante Tábata Cláudia Amaral de Pontes, de 17 anos, moradora de São Paulo, guarda lembranças, contatos, culturas e histórias dos amigos estrangeiros que fez por onde passou. Bolsista do Etapa,Tábata que é filha de uma vendedora de flores e um cobrador de ônibus conclui em 2011 o terceiro ano do ensino médio e encerra a vida de "atleta." O próximo desafio é ingressar na universidade. A jovem quer estudar astrofísica e ciências sociais na Harvard University, nos EUA, ou em outra instituição de ensino superior americana. Está participando de oito processos seletivos para conseguir bolsa de estudos. "Com ciência é possível descobrir o mundo. Eu me sinto descobrindo o mundo e fico encantada com o céu" Tábata Amaral, estudante Também vai prestar física na Fuvest, medicina na Universidade Estadual de Campinas (Un...

Felicidade é sentir-se pleno

Não permita que a irritação e o mau humor do outro contaminem sua vida. Não permita que a mágoa alimentada e as reações de orgulho do outro definam a sua forma de reação.  Se alimente de um amor pleno a tal ponto que não seja contaminado por aquilo que lhe é externo. Não gere expectativas que a sua felicidade dependerá de alguém ou de alguma coisa, ou de alguma conquista. Não  transfira ao outro ou a uma circunstância aquilo que é sua tarefa. A felicidade é  um estado interior que se alcança quando se descobre a plenitude com aquilo que nos relaciona com o "todo", com o universo, com Deus. A felicidade está na descoberta da sua missão, do fazer humano em benefício do próximo, da tarefa inarredável de tornarmos este mundo melhor com a nossa presença. Ser feliz é uma atitude, uma ação, um movimento para o bem. É encher-se de  amor pela aventura da vida, é construir esperança no meio do caos, é sempre ter um sorriso aberto para o que destino nos apresenta. Felicidade é ...