Somos tão civilizados, nós, os brasileiros, que simples questões de boa educação, costume na maioria dos países civilizados, entre nós têm de se tornar lei para que sejam observadas. E a lei, ah! essa é outra história, a lei atropela indivíduos, que ela não quer e não pode ver.
Parece que a boa educação, entre nós, precisa ser empurrada goela abaixo e à força. Às vezes com marreta, malho, tacape e o que mais for necessário para que desça. Meu amigo Adamastor afirma que estou errado, que um pouquinho de vaselina já resolve, porque ajuda a escorregar.
Bem, com os séculos de experiência que acumulou, ele que foi ressuscitado por Camões lá por mil quinhentos e pouco é possível que saiba disso melhor do que eu. Apesar do fora que lhe deu Tétis.
Dar o lugar a uma pessoa idosa em ônibus, a uma mulher grávida, meu Deus do céu, é tão fácil perceber que não se precisa de lei para que o sofrimento humano comova pessoas bem educadas! Podem ser raras, mas ainda se encontram pessoas que mantêm tal comportamento.
Essa reflexão me ocorre porque ontem encontrei um senhor que tinha passado dos sessenta, presumo. Ele praticava Cooper com a desenvoltura de um adolescente. Pernas firmes, peito inflado, bunda encolhida e a coluna reta. Foi seu garbo de atleta que o fez notado. Não fossem os cabelos grisalhos, eu diria que se tratava de um campeão de levantamento de peso.
Minha surpresa foi vê-lo entrar na loja, onde eu esperava na fila para pagar uma conta, passar por todos nós e exigir do caixa o atendimento imediato. Sou idoso, ele argumentou. É direito meu. O caixa hesitou, olhou para a fila e ergueu os ombros, como quem diz, E agora? O que faço?
Na minha frente, um jovem com seus vinte e cinco anos penava uma espera atroz, principalmente para ele, que fisicamente parecia bem mal. Pálido, de muletas, uma perna sem encostar no piso, a perna engessada. O idoso bateu com a mão espalmada no balcão e trovejou,
Direito é direito, então o senhor não sabe? O pobre do caixa sabia, sim, mas contava atender logo o jovem que parecia estar sofrendo muito. Enfim, resolveu-se pelo cumprimento da lei.
Às vezes o detentor de um direito se torna arrogante. Ele não entende o espírito da lei nem imagina que o legal muitas vezes pode ser imoral.
Se a lei nasceu da necessidade de se impor um tipo de solidariedade, uma conduta bem educada, para aliviar o sofrimento humano, parece que ela, cega como é, nem sempre atinge seu objetivo.
Fonte: Carta Capital
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