Um
concurso foi organizado para descobrir o maior mentiroso do mundo.
Como todos mentimos, a questão era a de patentear as diferenças
flagrantes, não as filigranas que nos fazem falsos e traidores.
Como
atração, os participantes teriam duas semanas em hotel de luxo,
além da melhor comida, bebida e companhia. Os mentirosos inscritos
combinaram de mentir mentindo para que o mais mentiroso somente
surgisse como vencedor no último dia e hora do conclave.
Os
organizadores sabiam que a mentira era uma moeda corrente. Sabiam
igualmente que havia países onde a verdade se contrapunha cabalmente
à mentira, mas conheciam outros onde mentira e verdade eram o tijolo
da vida pública e praticadas por profissionais, pois, se a verdade
fosse a norma, o conjunto entraria numa grave crise.
Ninguém
ignorava que a mentira e a verdade nem sempre correspondiam ao falso
e verdadeiro porque uma mentira bem contada virava verdade e lei; e
grandes e extravagantes mentiras tais como “eu não tenho
preconceito”, “jamais roubei”, “tudo foi feito dentro da
lei”, “eu não sabia” podiam, com o tempo, virar verdades.
Antes
dos geniais publicitários, eles bem sabiam que uma mentira
tornava-se verdade quando repetida e que uma verdade podia virar
mentira caso fosse associada a uma sistemática ausência de
sinceridade – esse tremendo confronto de fatos que assola quem
busca ser verdadeiro.
Sabia-se
que a luta entre verdade e mentira era fundacional do universo
humano. A mentira do Oeste podia ser a verdade do Leste e a lorota do
Sul, artigo de fé no Norte. “Como saber quem somos, se não
acreditarmos em mentiras”, reiteravam sérios os onze membros do
Supremo Conselho Transcendental da Mentira? Quando se proferia “eu
minto!”, falava-se uma verdade ou uma mentira? Antes de existir
sociedade, argumentavam, já existia a mentira que não era uma
questão de história ou cultura, mas de ontologia.
O
concurso tinha o alto patrocínio de um banco local que se concebia
mentirosamente como pobre para justificar a verdade da roubalheira
dos seus diretores ricos e mentirosos. O mito do país pobre escondia
a burla dos programas feitos para os pobres. Mas isso, riam entre si,
seria uma enorme mentira verdadeira ou uma extraordinária verdade
mentirosa?
Para
o concurso, foram congregados 100 mentirosos qualificados por meio de
documentos falsos. Como estamos cansados de saber, a mentira tem
requisitos, vestimentas, caras, rituais e gestos adequados.
Os
competidores eram craques. Jamais hesitavam nas patranhas e pouco
gesticulavam ou ficavam descontrolados, pois sabiam que a sinceridade
e a fala nervosa e tremulante são mais amigas dos pobres do que dos
bem postos e estes, por ofício e destino, eram obrigados a mentir
naquela terra de mentira. E onde se mentia para todos e muito mais
para si mesmo, pois a automentira que levava à riqueza, à fama e ao
poder, era parte permanente dos seus sonhos e projetos.
“Que
venha o primeiro mentiroso!”, ordenou o presidente da comissão, de
dentro do seu terno impecável de falsa casimira inglesa. Os cem
mentirosos se entreolharam confirmando o combinado de mentir,
mentindo para prolongar o gozo das benesses prometidas. Não deveria
ocorrer uma mentira traiçoeira, pois mentindo, todos ganhavam.
Após
as palavras solenes da abertura, um velho mentiroso caminhou até a
tribuna. Olhou em volta, deu um trago no seu mata-rato e soltou em
alto e bom som a sua mentira: “Eu nunca me masturbei!”
Um
enorme urro de decepção saiu do peito dos mentirosos. Estava
acabada a farra programada. Adeus às libações e bródios em
companhias agradáveis que todos esperavam. Traição, pensaram
alguns. Mentira, gritaram os mentirosos. Anulem a fala, queria um
outro grupo. A mentira inaugural acabara com o concurso antes mesmo
do seu começo.
Mas,
quando os juízes se preparavam para conceder o primeiro lugar ao
mentiroso indiscutivelmente verdadeiro, eis que se escuta um berro do
outro lado da assembleia: “Eu jamais tive contas bancárias no
exterior!”, disse um senhor mentiroso, tentado pela verdade que
media suas palavras.
P.S.:
Como tudo isso é uma mentira da mentira, deixo para os queridos
leitores e leitoras, bem como para todos os que ficam entre eles, a
decisão final. Pois os especialistas em mentira não sabiam de
verdade quem era o vencedor desse concurso.
Comentários
Postar um comentário