Encontramos uma pessoa que, vendo-a e ouvindo-a, somos imediatamente remetidos a figuras clássicas do passado, como Leon Tolstoi, Mahatma Gandhi e até com Francisco de Assis. Aí estava ele, com sua camisa suada e rasgada pelo trabalho no campo, com uma calça de esporte muito usada e sandálias rudes, deixando ver uns pés empoeirados como quem vem da faina da terra.
Pertenceu à resistência à ditadura militar. Viveu na prisão por treze anos e por um bom tempo dentro de um poço, coisa que lhe deixou sequelas até os dias de hoje. Mas nunca fala disso, nem mostra o mínimo ressentimento. Comenta que a vida lhe fez passar por muitas situações difíceis; mas todas eram boas para lhe dar sábias lições e por fazê-lo crescer.
O triste, comentava Mujica, é perceber que entre os chefes de Estado, especialmente, das grandes potências econômicas, não se verifica nenhuma preocupação em criar um gestão plural e global do planeta Terra, já que os problemas são planetários. Cada país prefere defender seus direitos particulares, sem dar-se conta das ameaças gerais que pesam sobre a totalidade de nosso destino.
Mas o ponto alto da conversação, sobre o qual pretendo voltar, foi sobre a urgência de criarmos uma cultura alternativa à dominante, a cultura do capital. De pouco vale, sublinhava, trocarmos de modo de produção, de distribuição e de consumo se ainda mantemos os hábitos e "valores" vividos e proclamados pela cultura do capital. Esta aprisionou toda a humanidade com a ideia de que precisamos crescer de forma ilimitada e de buscar um bem estar material sem fim. Esta cultura opõe ricos e pobres. E induz os pobres a buscarem ser como os ricos. Agiliza todos os meios para que se façam consumidores. Quanto mais são inseridos no consumo, mais demandas fazem, porque o desejo induzido é ilimitado e nunca sacia o ser humano. A pretensa felicidade prometida se esvai numa grande insatisfação e vazio existencial.
A cultura do capital, acentuava Mujica, não pode nos dar felicidade, porque nos ocupa totalmente, na ânsia de acumular e de crescer, não nos deixando tempo de vida para simplesmente viver, celebrar a convivência com outros e nos sentir inseridos na natureza. Essa cultura é anti-vida e anti-natureza, devastada pela voracidade produtivista e consumista.
Importa viver o que pensamos, caso contrário, pensamos como vivemos: a espiral infernal do consumo incessante. Impõe-se a simplicidade voluntária, a sobriedade compartida e a comunhão com as pessoas e com toda a realidade. É difícil, constatava Mujica, construir as bases para esta cultura humanitária e amiga da vida. Mas temos que começar por nós mesmos.
Eu comentei: "o Sr. nos oferece um vivo exemplo de que isso é possível e está no âmbito das virtualidades humanas". No final, abraçando-nos fortemente, lhe comentei: "digo com sinceridade e com humildade: vejo que há duas pessoas no mundo que me inspiram e me dão esperança: o Papa Francisco e Pepe Mujica". Nada disse. Olhou-me profundamente e vi que seus olhos se emudeceram de emoção.
Sai do encontro como quem viveu um choque existencial benfazejo: me confirmou naquilo que com tantos outros pensamos e procuramos viver. E agradeci a Deus por nos ter dado um pessoa com tanto carisma, tanta simplicidade, tanta inteireza e tanta irradiação de vida e de amor.
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