Sempre tenho dito neste blog que costumamos imaginar o tempo como algo manipulável e que sempre está à nossa disposição. Estabelecemos nossos projetos para o futuro e, quando adiamos o cronograma de execução, por uma desculpa ou outra, somos suficientemente prepotentes a ponto de imaginar que mais uma vez o tempo irá esperar nossa demora.
Vandré já dizia que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Algo nos parece enigmático: Podemos controlar o tempo, adiando nossos planos e projetos? Somos senhores do tempo? Ledo engano, afinal o tempo não para. O que temos de concreto é o dia de hoje, mais precisamente o agora. Esse raciocínio impõe refletirmos sobre muitos aspectos de nossas vidas em que deixamos o tempo passar e as oportunidades irem com ele, ficando um rastro de frustração.
Quantas vezes na vida não guardamos aquele whisky escocês, a lingerie francesa, o vestido daquele costureiro famoso para uma “ocasião especial”. Ficam lá envelhecidos pelo tempo, esperando o momento oportuno de entrar em cena. Adiamos até mesmo aquela sonhada declaração de amor pois, quem sabe um dia, não aparece a princesa ou o príncipe dos sonhos pueris. Chegamos ao cúmulo de postergar até o perdão, ou talvez o sorriso para aquele desafeto. Tudo isso fazemos porque imaginamos para cada coisa um dia no futuro, uma circunstância que seja mais propícia. Aprendemos, pelo horizontalismo cartesiano, a dividir nossas vidas pelos dias da semana, pelos meses e anos. Esse convencionalismo brutal e arbitrário nos afasta do que é óbvio: O que temos de fazer tem que ser agora sob pena de que não haja mais tempo para realizá-lo.
Imagine aquele empresário, de origem pobre, que alimentou tantos sonhos de um dia, no futuro, viajar com os filhos pela Europa, mas antes porém precisava ganhar dinheiro, muito dinheiro. A viagem já tinha até data marcada(no ano tal). Ocorre que um ataque cardíaco fulminante atravessou seu caminho e sucumbiu sua vida. De fato ele arriscou no futuro, esqueceu-se, entretanto, de perceber que a vida não se conta pelos dias mas sim pelos momentos. E quantos de nós ainda estamos esperando algum dia no futuro para começar a estudar pra valer, para iniciar a academia, frequentar aquele curso , abraçar os filhos, fazer dieta e etc. Lamentável, mal sabemos quantos segundos nos restam, mas cometemos a asneira de adiar sempre os planos e projetos como se a finitude, destino implacável de cada ser humano , não nos concitasse a viver o agora com a intensidade que lhe é devida, apreciando cada instante como se fosse único,aproveitando o sabor das coisas boas e sentindo-lhe o gosto derradeiro.
Se vivêssemos cada dia como se fosse o último, teríamos uma vida intensa e abundante. Não perderíamos tempo com discussões burlescas, com rancores infrutíferos, com debates intermináveis, com intrigas que não nos leva à nada. Na intensidade desse único dia que ainda restava , saberíamos aproveitar mais a beleza das coisas simples e valorizaríamos mais as pessoas, que muitas vezes nos estão tão próximas e ao mesmo tempo nos parecem tão distantes. Olharíamos a família, o irmão, o outro com um olhar de acolhimento, de uma saudade consentida, e faríamos, daquele momento último, uma entrega absoluta, incondicional.
E vivendo o dia como se fosse último, aprenderíamos que não há uma data para amar, perdoar, construir. O que há de fato é o agora para colocar os planos em ação, os sonhos em execução, sem se permitir tergiversar, procrastinar. Por isso, não guarde as coisas para uma ocasião especial. Todo dia é dia para se comemorar e realizar.
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