Nos últimos dias tenho
feito uma releitura de livros que tratam sobre o sofrimento humano e
a ação ou (in) ação de Deus diante destes episódios. Não é à
toa que muitos duvidam da existência de Deus quando submetidos a
situações adversas ou trágicas. A primeira pergunta que surge é
sem dúvida a mesma: Por que Deus permitiu que isso acontecesse
comigo ou com alguém que amo?
Como pode um Deus que
representa a bondade não intervir ante a prática do mal, do
injusto, do diabólico e do trágico? Como pode Deus permitir que uma
criança com apenas dois anos seja portadora de um tumor maligno que
em breve lhe levará a morte? Como pode Deus permitir que um
desastre da natureza (v.g. terremoto, tsunami) mate centenas e centenas de
pessoas? Como pode Deus permitir que um maluco como Hitler tenha
ceifado a vida de milhares de judeus?
Afinal, onde está ou
estava Deus nas horas sombrias das dores humanas???
Estas indagações não
apenas nos inquietam, mas têm levado muitos à descrença, ao
ateísmo, à absoluta incredulidade na onipotência divina!
A resposta a este dilema
não é tão simples. Muitos teólogos e filósofos se debruçaram
sobre o tema. Poderia aqui citar alguns deles, mas achei melhor, para
não ser cansativo, lançar algumas luzes que nos sirvam de reflexão
ou provocação para que cada um de nós tire suas próprias
conclusões. Ressalto, pois, que não tenho formação em teologia
nem em filosofia. Arrisco-me apenas em construir, a partir das minhas
leituras e da minha experiência de vida, argumentos que me permitem dizer sem medo que DEUS EXISTE e Ele é profundamente
misericordioso.
Começo por falar que
fomos muito mal educados na fé. Aprendemos desde cedo que o que
acontece de bom ou ruim tem o dedo de Deus no meio. Se alguém sofre
um acidente de trânsito e morre, logo a família é amparada por um
amigo que chega com a triste frase: “ Aceite, essa é a vontade
de Deus”. Do outro lado, a família diante dessa lamentável
justificativa passa a pensar: “Como pode Deus querer a morte do meu
filho? Por que ele tem que pagar com a vida ainda tão jovem?”
É difícil sustentar a
fé quando se atribui o que acontece de mal ou trágico ao criador da
vida!!!
Eu me arrisco a responder
que Deus não é culpado pela morte nem pela doença, não é culpado
pelo acidente, não é culpado pela catástrofe natural. O que
precisamos entender é que todos esses acontecimentos são
indissociavelmente parte integrante da finitude humana. Não somos
imortais, seremos eternos. A morte, o sofrimento e a dor fazem parte
da nossa condição humana, frágil e precária.
Mas se Deus é
onipotente, por que não age?
Deus construiu um mundo
perfeito. A harmonia cerca toda a criação. Nossa inteligência
permite solucionar muitos dos nossos dilemas. Podemos, sem dúvida,
resolver nossos problemas. Cientistas a cada dia descobrem novos
medicamentos para tratar as nossas doenças. As novas tecnologias nos
permitem uma vida melhor, mais confortável. O direito transnacional
tem como um dos pilares a vedação ao retrocesso como forma de
evitar que o império das trevas se sobreponha à democracia, ao
estado das liberdades e garantias coletivas e individuais.
Deus deu a homem o livre
arbítrio para exercer as suas escolhas. A grande verdade é que
muitas dessas escolhas comprometem o bem-estar individual ou
coletivo. Mas não poderia ser diferente: Se a cada situação, Deus
agisse ele sepultaria a liberdade e a grandiosidade de sua criação.
Tiraria do homem a responsabilidade de protagonizar suas ações e
construir seu futuro. Reduziria a espécie humana a um fantoche
teleguiado sem autonomia e capacidade de agir. Seríamos verdadeiros
autômatos dirigidos por uma vontade superior. Obviamente se assim
fôssemos, não seríamos a imagem e semelhança de Deus, o que de
fato se constituiria numa grande contradição do ato do Criador!
E por que minhas preces
não levaram à cura do meu filho?
Acostumamos a acreditar
em um Deus milagreiro e mágico. Rogamos a Ele e esperamos ser atendidos, Quando
não recebemos suas graças logo nos frustramos e nos revoltamos. É
preciso que se diga que aqui não estou a duvidar da onipotência
divina. Deus pode realizar milagres porque pode tudo. Mas não
necessariamente ele vai atendar as suas preces. O milagre é uma
excepcionalidade. Crianças continuarão a morrer vítimas dos
cânceres, desastres naturais sempre acontecerão, tragédias
desfilarão no anfiteatro da nossa existência.
Esta é a nossa condição
humana!!! As doenças são anomalias orgânicas que atingem a todos
indistintamente,pessoas boas ou ruins. Em alguns com maior gravidade e, em outros, com menor
proporção. Esta não é uma escolha de Deus! Ele não está lá
cima com um balde de tumores malignos escolhendo as vítimas que serão
submetidas à insidiosa moléstia!!!
O grave é a
infantilidade da nossa fé. O que Desejamos é um Deus que nos afaste
de todos os sofrimentos, que cure todas as nossas dores, nos garanta
uma vida sempre feliz e sem problemas, preferencialmente com muito
dinheiro. O que vou dizer irá frustrá-los: Este Deus não existe!!!
Por essa razão tem
crescido o número de ateus. Os homens recorrem a Deus para
realizarem um contrato de troca: Eu te louvo, faço minhas orações
e recebo como prêmio a prosperidade material, pessoal e
profissional. Se não alcançam a realização de seus desejos passam
a não mais acreditar em Deus.
O que muitos têm não é
a fé mas sim a crença. Por essa razão, ao menor ruído da dor essa
crença vai embora.
Portanto, se queremos
continuar firmes na fé precisamos compreender que Deus não age onde
o homem deve agir. É preciso compreender, ainda, que a dor é parte da condição de nossa
finitude e do nosso amadurecimento pessoal. Se Deus anestesiasse o
sofrimento humano sepultaria a solidariedade, a compaixão, o amor,
sentimentos tão marcantes e tão presentes durante as tragédias da
vida. Uma vida sem dor é uma vida sem graça. É a dor que nos faz
sentir a saudade de um grande amor, a alegria de um reencontro, a
esperança que estava sepultada. É a dor que nos reconcilia com o
outro, que nos faz abrir mão do nosso egoísmo. É a dor que nos dá
a dimensão da nossa pequenez e da nossa fragilidade. Não seríamos
humanos se não fôssemos cravados pela dor.
E afinal, onde está Deus
diante dos sofrimentos e das intempéries da vida?
Deus está ao lado das
vítimas da violência, acolhendo-as na sua dor; está fortalecendo a autoestima dos
pais que perderam seus filhos precocemente; incentivando os
voluntários que socorrem a tantos durante as tragédias e nas
missões humanitárias nos países pobres. Deus está ao lado dos
enfermos ,dando-lhes força e esperança para superar suas dores.
Portanto, amadurecer a fé
é compreender que Deus abdicou do seu poder soberano e absoluto para
não interferir no ato de sua criação, tornando o homem
protagonista do seu próprio destino.
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