Na década de 1930, o pesquisador Mário Augusto Teixeira de Freitas, um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que as taxas de repetência eram o entrave para uma educação de qualidade. Uma "pedra" no caminho ignorada até meados dos anos 90, quando repetência, e a consequente evasão, começaram a ser mais adequadamente trabalhadas. Hoje, segundo Yvonne, professores ainda ensinam conteúdos sem ligação com a real necessidade dos alunos. A colunista defende uma revisão da pedagogia atualmente utilizada nas escolas, que responsabiliza o aluno por eventuais deficiências no aprendizado.VEJA ABAIXO A ÍNTEGRA DO ARTIGO:
Por que o Brasil não consegue alcançar uma educação de qualidade para todos? A resposta já foi encontrada, mas permanece como uma pedra no caminho até agora não ultrapassada.
Vou tentar resumir a história da descoberta desta pedra que impede uma educação republicana de qualidade em nosso país, baseando-me em um comentário do pesquisador Sergio Costa Ribeiro ao trabalho do estatístico Mário Augusto Teixeira de Freitas, um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Enquanto os pioneiros da Escola Nova – Fernando de Azevedo. Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Cecília Meirelles e entre outros – escreviam o famoso manifesto de 1932 que inaugurou uma nova fase na educação brasileira, Mário Augusto Teixeira de Freitas, em 1931, iniciou seus estudos sobre o Censo Escolar implantado em 1930.
Em 1941, o eminente estatístico apresentou o trabalho “Evasão escolar no ensino primário brasileiro”. Pela primeira vez no Brasil, e talvez na América Latina, analisava-se os dados escolares na forma de fluxo de alunos num sistema seriado de ensino e não de forma estática, como era regra na época, e continuou sendo pelo menos até 1991. Nesse trabalho, Teixeira de Freitas mostrou que, em condições de estabilidade, o número de alunos na primeira série do ensino não pode exceder o número de crianças de sete anos na população do País no mesmo ano e havia muito mais alunos desta idade na primeira série.
Em “A escolaridade média no ensino primário brasileiro”, Teixeira de Freitas, trabalhando com os dados dos censos escolares de 1932 a 1939, acompanhou a coorte de idade que em 1932 tinha 7 anos, em 1933, 8 anos e assim sucessivamente, e verificou o problema mais sério do sistema educacional brasileiro: as altas taxas de repetência.
Nesse trabalho alertou as autoridades brasileiras que de nada adiantariam as campanhas de alfabetização e a construção de novos prédios enquanto as escolas não conseguissem levar os alunos além da 1ª série. Teixeira de Freitas mostrou mais tarde que as crianças ficavam mais de três anos nesta série. As taxas de repetência eram o entrave para uma educação de qualidade.
O resultado da pesquisa, ou seja, o alto índice de repetência, foi recebido pelos estudiosos e formuladores de políticas públicas de educação com incredulidade, incompreensão e estupefação. Houve intensa polêmica, e os desdobramentos do debate levaram Teixeira de Freitas a deixar o IBGE alguns anos depois. O Ministério da Educação (MEC) fez ouvidos moucos a seus trabalhos e continuou a fazer os cálculos sem usar o método do fluxo, resultando em dados de evasão superestimados e taxas de repetência subestimadas.
Tudo começou a mudar, de fato, quando, em 1983, o economista Claudio de Moura Castro, na altura secretário-executivo do Centro Executivo de Recursos Humanos e técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, concluiu que os dados sobre evasão e repetência levantados pelo MEC eram totalmente inconsistentes e encomendou ao recém-doutor Philip Fletcher um estudo sobre o assunto. Em suas pesquisas Fletcher descobriu na biblioteca de Stanford os trabalhos de Teixeira de Freitas.
O demógrafo Fletcher, então, adotou um modelo totalmente novo utilizando os dados levantados pela Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) e conseguiu calcular as taxas de repetência e evasão corretas para cada série. Seus trabalhos de 1985, e os que escreveu com Sergio Costa Ribeiro, em 1987 e 1989, corroboraram as assertivas de Teixeira de Freitas.
A semelhança entre os dados de repetência e evasão levantados por Teixeira de Freitas para a década de 1930 e as taxas levantadas por Fletcher e Costa Ribeiro em 1980 são impressionantes. Costa Ribeiro afirmou em muitos de seus artigos www.sergiocostaribeiro.ifcs.ufrj.br que se houvessem entendido as descobertas de Teixeira de Freitas nos anos 1940 nosso sistema educacional estaria muito mais avançado em qualidade. Considero que esta é até hoje a pedra de difícil remoção no caminho para uma educação de qualidade.
Passados mais de vinte anos das mudanças nas políticas públicas de educação, devido às novas formas de recolher e analisar os dados escolares, podemos dizer que muita coisa melhorou. O acesso à educação fundamental se universalizou. O País avançou na busca de novos rumos a partir de políticas de avaliação sérias, a cada dia mais compreendidas pelos professores e formadores de opinião. Houve incentivo à formulação de metas a serem atingidas pelas escolas. A educação passou a ser parte da agenda pública.
A trajetória da nossa educação foi em parte corrigida na década de 1990 quando o MEC, pelas mãos de Sergio Costa Ribeiro e do pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica, Ruben Klein, decidiu encampar a análise do fluxo e rever os dados sobre o percurso dos estudantes no sistema, levando as políticas de educação a incidirem basicamente sobre o problema das altas taxas de repetência.
Porém a pedra no caminho, obstáculo renitente, que é exatamente o produto do que Sergio Costa Ribeiro chamou de “pedagogia da repetência”, ainda leva os estudantes a abandonarem a escola e continua impedindo a melhora na qualidade da educação.
Retirar essa pedra e pavimentar o caminho com políticas que viabilizem os professores a ensinarem conteúdos relacionados às necessidades reais dos estudantes e mantenham os alunos na escola, aprendendo, é condição indispensável para levar o País a um outro patamar civilizatório.
O que fazer com esse exército de crianças e jovens que saem da escola depois de anos de repetência, sem nada haverem assimilado das capacidades que supostamente lhes foram transmitidas, como desgraçadamente ainda comprovam os dados mais recentes?
Apenas 54,3% dos estudantes terminam o ensino médio aos 19 anos. No ensino fundamental os resultados são melhores, mas mesmo assim preocupantes, pois quase 30% das crianças ou abandonam a escola depois de muitos anos de repetência ou terminam essa etapa com mais de 16 anos. Esses são dados levantados pela Organização Todos pela Educação para 2013.
Uma educação de qualidade implica ensinar e manter na escola todas as crianças e jovens para que não fiquem à mercê do tráfico de drogas, sendo mortos ainda tão jovens ou furtando, roubando e matando outros cidadãos com facas afiadas.
O que fazer para modificar esse quadro? Não adianta o Tribunal de Contas da União vir a público em 2015 apresentar os dados que conhecemos desde os estudos de Teixeira de Freitas nos anos 1940.
Precisamos encontrar o caminho e ele é realmente cheio de armadilhas que precisam ser desarmadas. Falar em repetência ainda provoca espanto e muita polêmica não só entre os estudiosos e intelectuais de primeira linha, como entre professores, estudantes e seus familiares. É difícil para a maioria das pessoas aceitar que reprovar ou impedir que o estudante progrida significa não ensinar, e que a solução para o problema não é a aprovação automática porque também significa não ensinar.
É preciso uma revisão da pedagogia atualmente utilizada nas escolas, que as exime da responsabilidade de ensinar seus alunos. É preciso mudar a mentalidade de que a responsabilidade pelo aprendizado é do estudante, e que se não aprendeu o “pau comeu”.
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