Faz versos como quem morre, choroso, sabor acre na boca. Versos como quem chora. Tomam-no a tristeza, o desencanto, o desalento, a angústia rouca. A doença e “o mau gênio da vida”. Bandeira é um cara sofrido, de amores imaginativos, não saciados. É melancólico, tuberculoso... Irônico e amargo. Como amargos são sua vida e seus amores. Afinal, o amor é “um pobre gozo”, “hás de amar e sofrer incompreendido”.
O amor de Bandeira não se sacia. Suas fomes de romance, de chama que arde mais e mais, impelem-no a outros lugares – Parságada. Aqui o amor é impossível. Não tem com que se lhe baste. Lá (em Parságada) tem, sim. Tem a mulher que ele quer, na cama que escolherá.
Utópico. Inconcebível. Ideal e imaginário. O amor de Bandeira dói. Dói porque não se concretiza. É “chama, e, depois, fumaça...”. E atenta bem, aconselha, “o fumo vem, a chama passa...”. Momentâneo, interrupto, ligeiro, ilusório, é escasso, e o pior de tudo, finito. Depois de “fogueira linda a arder!” é fumo que embaça, inevitável, corriqueiro, triste. É o que tem que ser. Acabado, findo, resolvido, pois para tudo o poeta concebe a morte. A vida, o mundo, tudo se termina. Mesmo o que se sente. Má sorte!
O amor quando começa é inquieto e maravilhado, sem saber o que peça. Teme, “balbucia, não fala”. As mãos são trêmulas, e as paixões outrora pequenas, medrando se elevam, e se elevando tudo dominam. Muda, então, o amor de modo. Faz-se senhor de si, e de tudo, ainda que se tome de ciúmes, de dor e da visão da morte. Por sorte... Não, por sorte não. “Calmado o vento, o lume brilha, mais puro e mais forte”.
O amor primeiro incendeia, queima, venturoso, mas um dia é fumo esparso. E é assim em todas as ocasiões. Nas paixões tristes ou felizes, puras ou devassas.
O amor de Bandeira é o de quem vê morrer todos que ama. Pai, mãe, irmãos... Não encontra pena para seu penar. Não encontra consolação. Não acodem as donzelas às ânsias de seu olhar, tampouco ao seu suspirar. É um amor parcialmente irrealizado, sujeito às limitações cotidianas, sujeito às limitações “da vez”. É um amor encurralado pelo caráter fortuito das coisas. Pode ou não se satisfazer. Momentaneamente.
Em “O anel de vidro” (A cinza das Horas, de 1917) escreve: “Aquele pequenino anel que tu me deste,/ - Ai de mim – era vidro e logo se quebrou.../ Assim também o eterno amor que prometeste,/ - Eterno! era bem pouco e cedo se acabou”. As afeições, escreve em seguida, se aniquilam, ficando as recordações e a saudade. Saudade desse tempo em que “te estreito cada vez mais, e espio absorto/ A maravilha astral dessa nudez sem pejo...// E te amo como se ama um passarinho morto” (do poema “Boda Espiritual”, A cinza das Horas, 1917).
Da inocência do primeiro namoro, em que o outro não faz caso das suas ternurinhas, o porquinho-da-índia (do poema “Porquinho-da-índia”, Libertinagem, 1930), à certeza de que “Não posso crer que se conceba/ Do amor senão o gozo físico!” (do poema Vulgívaga”, Carnaval, 1919), o amor é cotidiano, vulgar, mundano. Umas vezes inocente, terno, meigo, outras, voluptuoso, animal, libidinoso.
O amor de Bandeira “não tem bondade alguma” (do poema “Mulheres”, Libertinagem, 1930). Porque ele mesmo é fraco, acrescenta. Ama como as criancinhas. Ama o que o aconchega, o que o sossega, o que lhe faz bem. Recusa o feio, o avesso ao encanto.
“Sou romântico? Concedo”, afirma em “Sextilhas românticas” (Belo Belo, 1948), tem a alma ruim, dada por Deus. E na sua “Arte de amar” (Belo Belo, 1948), aconselha, “esquece a tua alma/ A alma é que estraga o amor”. E prossegue mais embaixo: “Deixa teu corpo estender-se com outro corpo./ Porque os corpos se entendem, mas as almas não”. As almas, essas encontram satisfação só em Deus. Afinal, ele era “aquele que amou Antônia e que Antônia não amou” (“Antônia”, Estrela da tarde, 1960). Unidade, só a carnal. A física e material.
Bandeira é erótico. Perpassa todos os recantos do corpo. Extasia-se com a nudez. Imagina-a, recria-a... Deseja-a. “Quando estás vestida/ Ninguém imagina/ Os mundos que escondes/ Sob as tuas roupas” (“Nu”, Estrela da manhã, 1936). Escreve os joelhos, os seios, o umbigo, os olhos, os mundos dela, palpitantes, os mamilos, o dorso, os flancos. Todo se entrega. “Bóio, nado, salto/ Baixo num mergulho/ Perpendicular.// Baixo até o mais fundo/ do teu ser, lá onde/ Me sorri tu´alma/ Nua, nua, nua...”
O amor de Bandeira é, no final da vida, deslocado. Seletivo. Não o quer. Diz-lhe adeus. É tarde, afinal. E faz bem: “a mocidade/ Quer a mocidade” (do poema “Adeus, amor”, Estrela da tarde, 1960). É pouco para o poeta dar e receber carinhos. Este exige “o trauma, o magma”, o amor em todas as suas nuances.
No final da vida, em 1965, Bandeira escreveu em “Antologia” (Estrela da tarde, 1960): “A vida/ Não vale a pena e a dor de ser vivida./ Os corpos se entendem mas as almas não./ A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.// Vou-me embora p´ra Pasárgada!/ Aqui eu não sou feliz./ Quero esquecer tudo:/ - A dor de ser homem.../ Este anseio infinito e vão/ De possuir o que me possui.// Quero descansar/ humildementepensandonavidaenasmulheresqueamei.../ Na vida inteira que podia ter sido e que não foi”.
O amor de Bandeira é tímido, evasivo, solitário. Perdeu a vez. Amou sem ser amado, e amado não amou. É sensual e romântico. Nu. Infantil. Farto de alma. Frustrado.
O amor de Bandeira principia e acaba, é chama e fumaça.
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