Combinando relato de viagem, narrativa biográfica e comentário filosófico acessível ao leitor comum, “Nietzsche na Itália – A viagem que mudou os rumos da filosofia”, de Paolo D’Iorio (Zahar, 216 pgs. - R$ 44,90), reconstitui um período pouco estudado da vida do pensador alemão Friedrich Nietzsche, queridinho dos universitários brasileiros de ciências humanas já há algumas gerações: a viagem que ele fez em 1876, quando ainda era um jovem professor de filologia na Basiléia, a Sorrento, em Nápoles, no sul da Itália. Recorrendo a cartas, documentos e anotações da época, do filósofo e de terceiros, o autor transmite de forma convincente o impacto que a força vital mediterrânea teve na vida e nos rumos da filosofia de Nietzsche, marcando o início de seu amadurecimento intelectual.
"Como posso ter suportado viver ate agora!", o autor do Zaratustra exclamou já nos primeiros dias de sua temporada na região. Esgotado mentalmente, rabugento e de saúde frágil, com crises insuportáveis de enxaqueca e outra aflições físicas, Nietzsche percebeu na alegria despreocupada e na sensualidade espontânea do povo meridional a possibilidade de uma alternativa à frieza das “almas grosseiras e artificiais” do norte. A paisagem e a própria luz do sul funcionaram para ele como um convite à afirmação da vida, com reverberações evidentes em toda a sua obra subsequente, começando por “Humano, demasiado humano”, uma exaltação dos espíritos livres. Foi em Sorrento que Nietzsche adotou o aforisma como forma predileta de expressão, presente em livros como “A gaia ciência”, “Assim falou Zaratustra” e “Ecce Homo”.
Leia aqui um trecho de “Nietzsche na Itália – A viagem que mudou os rumos da Filosofia”
Personagens importantes nessa travessia são Malwida von Mensenbug, que fez o convite e organizou a viagem, o amigo Paul e também filósofo Paul Rée e o estudante Albert Brenner, com quem Nietzsche travou proveitosas discussões em caminhadas e explorações da região. Os três visitantes se instalaram, juntamente com a camareira Trina, na Villa Rubinacci, uma modesta pensão próxima de uma aldeia de pescadores.
Revigorado pela força solar da região, é nessa viagem que Nietzsche começa a se transformar em um filósofo radical e libertário: é quando ele rompe intelectualmente com Richard Wagner, a quem idolatrou em sua primeira obra – “A origem da tragédia”. Em Sorrento, Nietzsche passou a julgar estúpidos o ufanismo e a religiosidade wagnerianos, abandonando o projeto de renovação da cultura alemã associado ao músico.
“Nietzsche na Itália” é o relato de uma metamorfose, o registro ao mesmo tempo objetivo e poético da superação de e uma crise e da fertilização do poder criativo de Nietzsche, em um momento de transição na vida do pensador e na própria história da filosofia. Depois dessa viagem, o filósofo abandonou de vez a vida acadêmica e iniciou sua vida de livre pensador, vivendo entre a Suíça, a França e a Itália.
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