Muito se tem falado sobre a protagonização
judicial e judicialização legislativa, mormente diante das últimas decisões dos
tribunais assegurando a pacientes tratamento médico e medicamentos custeados
pelo Estado. O STJ já decidiu que os
entes federativos são solidários no âmbito do custeio das ações da Saúde,
partilhando entre eles as despesas oriundas das situações ensejadoras de
antecipação de tutela pela Justiça.
Mais recentemente, a Segunda Turma do STJ,
em decisão unânime, reconheceu a possibilidade de determinação judicial
assegurar a efetivação de direitos fundamentais, mesmo que impliquem custos ao
orçamento do Executivo. A questão partiu de uma Ação Civil Pública interposta
pelo Ministério Público de Santa Catarina, relativamente ao que prevê o
Estatuto da Criança e Adolescente no tocante ao atendimento em creches e na
pré-escola de crianças de zero a seis anos. O STJ entendeu que tal direito é um
dever do Estado, sendo um direito subjetivo garantido ao menor. Acrescentou
ainda que a determinação judicial (obrigação de fazer) não se constitui
ingerência do judiciário na esfera administrativa, já que a atividade desse
dever é vinculada ao administrador (dever-fazer).
A decisão do STJ é significativa e põe
água morna na tese da “Reserva do possível”, tão utilizada pelos
administradores públicos para justificarem suas inações diante da efetivação
dos direitos e garantias fundamentais. O Tribunal de Justiça do Ceará, no
tocante ao direito à saúde, tem tomado decisões reiteradas favoráveis aos
pacientes que necessitam do Estado para custear tratamento médico ou
medicamentos de alto custo.
Nesse sentido, o professor Wolfgang Sarlet
já advertia para o princípio da dignidade da pessoa humana com ponto da partida
para efetivação plena dos direito fundamentais. Daniel Sarmento, na mesma
direção, preleciona que o Estado tem não apenas o dever de se abster de
praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o de promover
essa dignidade através de condutas ativas. Em sentido contrário, Luis Roberto
Barroso, atual Ministro do STF, chama a atenção sobre o ativismo judicial e a
judicialização presente através da interferência das decisões judiciais no
plano da administração pública, como me remeti a comentar no inicio dessa matéria.
O nobre jurista alerta que tal disposição é um risco para a legitimidade
democrática, ao tempo que provoca uma politização da justiça.
Observa-se que o tema é espinhoso e
merecedor de uma profunda investigação intelectual. Sobre ele tenho lido
bastante nos últimos anos e convoco aos estudiosos do direito que também o
faça. Jamais teremos respostas prontas, entretanto é na dialética construtiva
que encontraremos uma saída para questões complexas. De um lado está a vida, a
proteção à dignidade da pessoa humana. Do outro, reside a separação das funções
entre os poderes, o arranjo institucional e a reserva do possível. Optar por um
ou pelo outro é uma escolha que trará consequências. Todavia, remeto-me a
Roberto Alexy quando ao tratar sobre a teoria dos direitos fundamentais, propõe
a utilização do princípio da proporcionalidade, através da adequação, da
necessidade e do sopesamento entre os interesses em conflito.
Entendo que numa situação como esta é preciso colocar
a vida humana acima de qualquer outro parâmetro de logicidade jurídico-formal,
até porque o perdularismo do Estado brasileiro não lhe permite utilizar-se da
reserva do possível como argumento plausível para negar um direito fundamental.
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