Após sucessivas observações sobre as relações de poder no Brasil e, por oportuno, frente à discussão que trata das aposentadorias de ex-governadores e pensões de suas viúvas, atentei-me a fazer uma reeleitura da obra “Microfísica do Poder”, do magistral filósofo francês Michel Foucault. Nela Foucault explicita os mecanismos de dominação que se exercem fora, abaixo e ao lado do aparelho do Estado. Essa máquina ideológica termina por incrustar “verdades” cujo interesse primordial é a dominação do homem através de práticas políticas e econômicas de uma sociedade capitalista.
Mais especificamente no capítulo que trata da “Verdade e Poder”, o filósofo nos adverte que o “que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplemente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.
A propósito dessa discussão, remeto-me à genialíssima obra do renomado jurista brasileiro Raymundo Faoro, intitulada “Os Donos do Poder”. O livro trata sobre o patrimonialismo na formação política do Brasil, apontando o período colonial brasileiro como originador da corrupção e da burocracia no país. Daí por que a tênue separação entre o público e o privado, herdada da tradição monárquica portuguesa, marca a política brasileira desde o tempo em que era colônia. Assusta-nos perceber que o ato de expropriar o dinheiro público não causa remorso.Isso porque no pensamento de muitos o que é público não pertence a ninguém, pode-se usar e abusar à vontade, afinal a “viúva” é rica, não tem herdeiros, portanto não tem para quem deixar sua herança.
Essa forma promíscua de relação construída pela perversão do que é publico é fruto de uma sociedade ambientada na exploração, na espoliação do maior sobre o menor, na decrepitude dos valores éticos. A ratificação de práticas tão nefastas se robustece e se legitima pela ignorância, diga-se, desconhecimento do povo de seus direitos elementares, principalmente o da irresignação. A herança escravocrata criou no brasileiro um sentimento de impotência, ou de aceitação plena dos instrumentos de exploração. Tal fato faz-nos aceitar, muitas vezes, que políticos utilizem-se do poder para se locupletarem economicamente, à custa do sofrimento de muitos que procuram os serviços públicos e não recebem o devido tratamento por falta de recursos.
Somos ainda o Brasil dos opostos, cuja distribuição de renda é por demais injusta. Esse paradoxo nos concita a revisitar a nossa história e dela tirar grandes lições, como forma de reescrevê-la com outras tintas e outras letras. Só seremos um país desenvolvido plenamente se não perdermos a capacidade de indignação frente as diversas formas de usurpação do poder, principalmente quando aqueles a quem cabe nos representar, utiliza-se do encargo que a democracia lhe confere para assaltar e dilapidar o patrimônio público.
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