Recentemente, numa rede social, um adolescente na
coragem de seus 14 anos postou algo que desafia formas de pensar:
“Desde que entrei para o crime larguei o mundo para viver um
sonho”. Num outro perfil, esse de um jovem com pouco mais de 20
anos, podemos ler: “A arte me trouxe sonho”. Existe algo de comum
entre essas duas postagens, aparentemente opostas: são sinais
emitidos para que a sociedade compreenda o desejo de escuta desses
jovens.
Acompanhando um pouco mais, percebemos que ambos são
de origem popular, moradores de comunidades da cidade do Rio de
Janeiro. O que aconteceu com os dois até tomarem a coragem de
celebrar numa rede social sua significação de vida atual, ainda em
formação, com a possibilidade de viver um sonho? Como um
adolescente envolvido em pequenas infrações encoraja-se,
contrariando o senso comum, a significar a vida que leva como um
sonho, da mesma maneira que um outro deposita esse sentido na arte?
Como a perigosa vida ligada a delitos, mesmo diante de tanta
proximidade de morte imediata, ativa uma sensação de sonho? E a
arte? Mesmo diante das dificuldades e privações conhecidas para
quem escolhe essa forma de estar na vida, vindo de origem popular,
como ela produz essa certeza de estar ofertando a possibilidade de
sonhar?
Diversas respostas são possíveis se quisermos
dispor de rápidas explicações, embaladas de teorias de uso
superficial e rancores, para não encarar e admitir o espanto diante
da complexidade do fato. Alguns tomarão como ousadia inaceitável a
afirmação do mais novo e outros decretarão ingenuidade, mesmo
simpáticos, à fala do outro com mais idade. O fato é que as falas
apontam, com sinceridade certeira, que a juventude precisa estar num
ambiente onde a emoção seja elemento-chave. Quando ambos declaram o
sonho uma medida que atesta estar vivendo algo que diz respeito à
significação pessoal, um conjunto de eventos já existiu em suas
escolhas, produzindo emoções que confirmam essa possibilidade.
O rigor da disciplina, pautado na concentração
absoluta, na abstinência, na conscientização ou na reclusão, que
conduz uma tradição de programas que ensaiam ser frágeis políticas
para jovens, não tem se demonstrado suficiente para produzir
vínculos de confiança capazes de produzir este significado que as
duas postagens tornam visíveis. Alguns programas, por exemplo, são
interrompidos no meio do caminho, produzindo frustação e falta de
confiança — aspectos decisivos para a vivência de emoções que
marquem positivamente.
Oferecer a esses jovem a possibilidade de serem
escutados em seus desejos, considerando-os sujeitos de direitos antes
de tudo, é o passo a ser dado. Assim, mais importante do que uma
oferta de atividades impostas, é necessário que estejam ligadas ao
seu significado de vida, mesmo ainda em formação. Essa é a base
para sustentar uma relação geradora de emoções que fortalecem
vínculos promovendo encorajamento para seguir adiante. Se a emoção
não bater forte na vida do jovem projetando futuro, se essa emoção
não tem espaço na cidade, se não tem escuta, sabemos que quando
jovens buscaremos, sem concessões, no tempo presente — é disso
que a publicidade se vale para capturar nossas atenções, de todos
nós, de crianças a idosos.
Trabalhar com sonho, desejo e emoção não
significa ser condescendente. A partir da escuta e da invenção de
um ambiente favorável emocionalmente é possível propor desafios.
Os processos, redes e realizações comuns com os jovens precisam ser
pensados a partir deste elemento. Mas só existe emoção quando
existe autonomia e cocriação. Portanto, é necessário superar a
ideia apenas de atendimento para chegar a esta possibilidade.
Artistas, coletivos, professores, assistentes sociais, pequenos
projetos e equipamentos socioculturais públicos e privados possuem
diversos bons exemplos. Não é incomum escutarmos o valor que um
mestre teve em nossas vidas. O desafio atual para o desenvolvimento e
garantia de direitos da juventude convoca que a emoção seja um
valor necessário em diversos campos.
Em recente artigo no jornal “Estadão”, Ricardo
Henriques, professor da UFF e Superintendente do Instituto Unibanco —
onde se dedica as questões do ensino médio — apontou que um dos
desafios da educação é escutar os desejos dos jovens para além de
uma reforma dos currículos. Sem emoção, sem escuta de desejos e
sonhos ninguém quer estar junto. Ela forma nossas identidades. Ela é
afeto na convivência e realização, e não pirotecnia.
______
Sergio Fonta, que comanda o “Tribo do teatro”,
um dos poucos programas de rádio dedicados à cena teatral, está à
frente do ciclo de leituras de peças na Academia Carioca de Letras.
A direção será de Gilberto Gawronski, sempre às terças de junho.
Leituras dramatizadas são boas experiências de aproximação com
obras.
Comentários
Postar um comentário