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Enquanto a luz não vem, por Elton Simões


Nunca gostou de livros. É um fato. “Ler dá um sono danado”, sempre disse. Em seu benefício, nunca mentiu, pelo menos no que se tratava de seu desprezo natural, quase patológico, pelos livros.
O destino, sendo irônico e talvez carecendo de bom gosto, quis que a vida lhe entregasse o poder. Caminho difícil, possivelmente admirável, durante o qual teve o apoio justamente daqueles que tiveram na leitura a razão do seu sucesso. Coisas da vida.
No poder, revelou seu desapreço também pelos jornais. Causavam, segundo ele, desarranjos estomacais. “Dá azia”, diagnosticou. Havia alguma controvérsia sobre a veracidade do diagnóstico.
Os aliados, talvez atribuíssem a sensibilidade gastrointestinal a uma possível alergia a tinta ou ao papel. Hipótese eventualmente desmentida quando a palavra impressa passou a chegar por meios digitais.
Na inexistência de explicações clinicas, restou o fato de que a causa da azia eram as ideias. Ou melhor, o horror a sua diversidade. Ficou evidente o asco que lhe causava ver impressas, expostas e lidas, as ideias, opiniões e fatos que pudessem de alguma maneira, contraria-lo.
A inteligência e o espirito prático, mais uma vez não lhe faltaram. Para combater diversidade de ideias, concluiu ele, a melhor estratégia seria desestimular o pensamento. Iniciou o culto a ignorância.
Ignorância, não seria obstáculo a ser superado. Ao contrário, seria característica ou virtude a ser preservada ou mesmo cultivada. Desestimulou a leitura, o estudo e a cultura como ferramentas necessárias ao sucesso individual ou coletivo.
Desprezou repetidamente aqueles que dedicavam tempo, energia ou entusiasmo ao aprendizado. Em demonstração de fidelidade e compromisso com as próprias crenças, elevou a ignorância a critério na escolha de seus sucessores.
Escolheu, ajudou e contribuiu para o sucesso do grupo que melhor refletia sua filosofia. Os escolhidos não o decepcionaram. Aprofundaram diligentemente a obra.
Fazer sentido deixou de ser um requisito. Articular palavras, pensamentos, e ideias coerentes já não era necessário e, possivelmente, nem desejável. Diversidade de pensamento foi promovida de adversaria a inimiga. O passado, os fatos, as biografias, converteram-se em argila sem forma, destinada a ser moldada sem ter a realidade como modelo.
A ignorância prevaleceu. A era da mediocridade havia chegado.
Pelo menos, enquanto a luz não vem.

 

Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca

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