Meu pai era um homem antigo, isto é, de um tempo em que os adultos contavam histórias para as crianças com o fito de assim lhes passarem lições de vida, valores éticos, essas coisas que os pais modernos não passam mais a seus bacuris por várias razões, entre as quais se podem encontrar o desprezo por qualquer valor ético, a falta de tempo para se ocupar com a educação de seus rebentos, ou até, pode-se imaginar, por absoluto desconhecimento de qualquer valor a transmitir.
Meu pai costumava contar histórias a seus filhos, entre os quais me incluo, principalmente ao término do almoço ou do jantar. Ficávamos em volta da mesa até que ele nos dispensasse. Então saímos acrescidos de algum pensamento. Não discuto se era um hábito ruim ou bom, mas estou certo de que era o melhor que ele podia fazer tentando inculcar-nos seus valores. E seus valores, bem, mas isso já é outra história. Fica para outro dia.
Certa ocasião, lá ia eu pelos meus oito, dez anos, contou-nos que, num vilarejo distante, era costume dos meninos, à tarde, nadar no rio que passava por perto. Era a principal diversão da garotada.
Sempre aparece alguém querendo ser diferente, doido pra fazer graça. Pois lá naquele vilarejo havia também um menino que gostava de enganar seus companheiros. Chegando à parte mais profunda do rio, erguia um braço e gritava por socorro com insistência até que, assustados, os outros o viessem socorrer. Ao se aproximarem, ouviam suas gargalhadas gostosas por ter enganado os amigos.
Todas as tardes o garoto repetia aquele ritual. Fingia-se afundar, erguia o braço e gritava por socorro. Com a aproximação dos amigos, saía nadando e rindo porque mais uma vez os tinha enganado. Era sua maior diversão. À custa da ingenuidade dos companheiros, que lhe davam crédito, mas isso, para ele, não tinha a menor importância.
No fim de um outono, início dos primeiros frios do inverno, o garoto dirigiu-se novamente à parte mais funda do rio. A correnteza estava um pouco mais forte, exigindo dele um tanto mais de esforço. Além disso, a água estava um pouco mais fria e o garoto sentiu cãibra nas duas pernas.
Os braços sozinhos já não davam conta de vencer a força da corrente. Afundou uma vez e engoliu um pouco de água. Na superfície, ergueu por alguns segundos um dos braços e gritou pedindo socorro. Afundou mais uma vez e tomou mais um gole da água do rio. Ergueu novamente o braço e gritou desesperado pedindo socorro.
Ao longe, lá perto da margem, seus companheiros olhavam aquela encenação achando muita graça. Ele pensa que nos engana sempre, comentaram rindo.
Depois de algum tempo, perceberam que o amigo havia desaparecido.
(Qualquer semelhança com fatos ou pessoas que realmente existem ou já existiram terá sido mera coincidência. Trata-se de uma história ficcional, inventada apenas para desestimular a mentira, conforme mais tarde vim a descobrir).
Fonte: Revista Capital
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